Assadura de amêndoas à portuguesa

Irei escrever sobre uma receita publicada, em 2ª edição, em 1845, cuja receita terá origem nos escritos de Louise-Augustine Friedel. Esta crónica acontece na sequência da crónica anterior, “Bolo de Lisboa” que poderá reler clicando aqui. Estas receitas e especialmente a autora surgem na vasta pesquisa que iniciei há oito anos sobre receitas, publicadas em livros antigos, cujas denominações nos remetam para Portugal ou à portuguesa.

Desconhecendo até há cerca de dois meses a autora, decidi investigar mais e atualmente disponho já de cinco livros que vos irei apresentar. Curiosamente esta autora não consta do livro Bibiographie Gastronomique de Georges Vicaire com edições em 1890 e 1954, também não consta no Livres en bouche da Bibliotéque nationale de France, na edição de 2001, nem no livro Le Bouquin de la Gastronomie de Jean Vitaux com edição em 2020. Também não constava na generosa biblioteca da saudosa Maria Antónia Goes, apesar de dispor de um exemplar de um anónimo publicado, possivelmente um plágio, do livro Le Petit cuisinier habile, publicado em Utrech. Possivelmente não seria reconhecida com “chef” ou porque o seu nome terá sido mais reconhecido como editora.

Antes de apresentar a receita que dá o título a esta crónica irei apresentar os livros que tenho na minha biblioteca, e a receita, que apenas está publicada no livro de 1845 muito após a sua morte em 1819.

 

 

 

friedel1

L’Art du confiseur ou Manière simple et facile de faire toutes sortes de confitures…, 1801

Neste livro apresenta-se como viúva de P. J. Friedel, o verdadeiro conhecedor do assunto, “Negociante e célebre Confeiteiro em Berlim”. Talvez por isso o título contendo o termo “confiseur” (confeiteiro, doceiro e muitas vezes conserveiro). Só nos terceiro e quarto livro de cozinha se dirige às cozinheiras. Começa com um longo texto e considerações especiais sobre “macarons doces” e uma pequena abordagem aos “macarons amargos”. Depois apresenta cinco receitas de macarons. Claro que nesta data ainda não se faziam macarons à parisiense como os que hoje conhecemos e que seriam inventados ou comercializados apenas em 1862. Estava à espera de “macarons à la portugaise” como foram publicados em 1817 por André Viart e Machet, e depois em 1894 por Joseph Favre. Nota-se que as receitas apresentadas por Friedel parecem de uma produção elitista e não são preparações domésticas, ou para a economia doméstica. Tem receitas de massapão, pão de especiarias, pastilhas, confeitos, frutas em aguardente, frutas cristalizadas, geleias, xaropes e gelados. Nada à portuguesa. Este livro é o primeiro assumido com edição da autora.

 

 

 

friedel2

Le Petit cuisinier habile. Nouvelle édition, 1814

Este segundo livro, em nova edição e supostamente repetição de edição no mesmo ano. As receitas são na sua maioria salgadas e no final apenas doze páginas com receitas doces. Nada à portuguesa, mas uma espécie de “marmelada” à qual junta canela e uma “geleia de marmelos”. Curiosamente também um licor de marmelos. Termina com um pequeno capítulo de conservação de legumes.

 

 

 

friedel3

La Petite cuisinière habile ou L’art d’apprêter les alimens… 1821

Mais uma vez anuncia no título uma nova edição sem haver registos de edições anteriores. Curiosamente dirige o título a um público feminino e o livro parece ser destinado à economia doméstica. De facto, o livro é a junção dos dois anteriores e muda apenas o título. Acrescenta o que chama de “suplemento” que não passa de recomendações para utilizar alguns produtos ou a forma de melhor os conservar. Termina com dois poemas: “Les Souvenirs” e “La Chose” de Nestor Lamarque.

 

 

friedel4

La jeune cuisinière ou L’économe des petits ménages, 1845

Neste livro, dirigido para as pequenas economias doméstica, consultei a edição de 1845 sabendo que existiu uma primeira, sem conseguir saber a data. Também o editor não é a autora, e neste livro acrescenta um capítulo dedicado ao pão, carnes, fruta, especiarias … da autoria de Jeannette, “petit cordon-bleu de Paris”. Tem um aviso do editor que traduzo o início: “Uma primeira edição deste trabalho eminentemente útil esgotou-se com rapidez. Perante um tal sucesso, não podemos fazer melhor do que preparar imediatamente uma segunda para as necessidades…”

Faz também uma introdução que começa: “Higiene, economia, prazer: toda a cozinha burguesa ou de família deve reunir estas três qualidades que, juntas, constituem um modo de vida, o único que as pessoas dotadas de razão podem desejar.”

Ora é neste livro, que junta os anteriores, que encontramos a receita de “Grillage d’Amandes à la portugaise” que eu traduzo para “Assadura de amêndoas à portuguesa”.

Eis a tradução:

“Colocar ao lume dois hectogramas e meio* de açúcar com um pouco de água; quando o açúcar estiver diluído, juntar o mesmo peso de amêndoas doces escaldadas e cortadas ao meio; deixar cozer no açúcar até espumar; mexer bem para que o açúcar se agarre; quando começarem a ficar tostadas, colocar sobre uma peneira e polvilhar com açúcar granulado branco; colocar as amêndoas numa travessa e polvilhar novamente com açúcar granulado branco; levar a travessa a uma estufa para secar.”

*duzentos e cinquenta gramas

Pois, à portuguesa porquê??? Bem, poderemos pensar em amêndoas confeitadas caseiras, ou amêndoas cobertas. A autora não refere se as amêndoas serão com ou sem pele. Podem experimentar com as duas opções. O termo utilizado para o açúcar granulado é “nompareille” que poderia ser de várias cores.

Não deixa de ser curioso denominar esta receita associada a nós. Tento sempre encontrar razões, mas, infelizmente, fico quase sempre com mais perguntas do que respostas!

© Virgílio Nogueiro Gomes