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Muito se tem escrito, e discutido, sobre as novas tendências da cozinha e suas influências na postura da restauração. No entanto pouco se tem falado da necessidade do serviço de mesa acompanhar essa evolução e muito menos se tem perspectivado as alterações, e actualização do serviço de mesa, enquanto componente do negócio da restauração.
A arte de bem servir está muito para além de um serviço eficiente ou impecável. A prestação de serviço é muitas vezes a marca de um restaurante. Neste sentido se pode afirmar que a melhor das cozinhas não chega para fazer voltar um cliente desagradado ou insatisfeito com o serviço de mesa. O contrário também é possível: o desaire da cozinha pode ser compensado, ou apenas aliviado, com a eficiência do serviço de mesa.
A qualidade do serviço deverá, sempre, permitir criar um ambiente no qual o cliente se sinta bem.

É fácil constatarmos que os tempos mudaram. Da prestação da cozinha às expectativas dos clientes. Para além das refeições fora de casa serem uma obrigação para todos, estas refeições passaram a ser um motivo de descontracção, e por vezes de alívio, da pressão do quotidiano. As refeições deixam de ser analisadas na perspectiva do preço/qualidade para o serem no sentido do preço/prazer. O cliente já não quer ser só alimentado. Espera algo mais de uma refeição.
A refeição está também associada a novos conceitos de velocidade com eficiência. Também temos os clientes que esperam da refeição um espectáculo. Espectáculo de vários prazeres, visuais, sensoriais e de equilíbrio de permanência no local.
Ora as refeições são um instrumento de negócio que têm que ser tratadas em todos os seus detalhes.
Vejamos o que se pretende com a análise da evolução, necessária, do serviço de mesa. O serviço de mesa tem que evoluir porque a clientela assim o exige. Mudou a cozinha, mudaram os tipos de locais de restauração e mudou, especialmente, a clientela. Mesmo os conceitos de luxo evoluíram. O luxo hoje em dia não está só associado ao espaço, sua decoração e serviço de etiqueta. Muitas vezes o luxo significa eficiência e velocidade com conforto. A clientela de hoje não está preocupada, e até desconhece, se a regra é colocar o prato pela direita ou pela esquerda. Quer o serviço rápido, com elegância, com conforto e sem constrangimentos. O cliente de luxo não fica satisfeito, só, se a decoração contém dourados, cristais e veludos. O luxo também passa por ambientes minimalistas. Mas o que o cliente não abdica é da postura de educação e eficiência do serviço.
Nada pior para clientes de negócios, ou simplesmente namorados, se os interrompemos para lhes colocar o prato de acordo com a regra. O empregado tem que conhecer a regra para a quebrar sempre que isso signifique mais conforto, ou não interrupção, dos clientes. O serviço não se deve impor. Deve passar despercebido de forma aos clientes apenas terem consciência dele, no final, pela positiva.
Longe vai o tempo em que Grimod de la Reynière escreveu o seu famoso “Manuel des Amphitryons”. É possivelmente o primeiro grande tratado de alimentação para o novo conceito em restauração. É constituído por três capítulos: Tratado de Dissecação de Carnes, que ensina a cortar e trinchar várias carnes e curiosamente cinco peixes, Tratado do Menus onde propõe a composição de vários menus organizados por estações do ano, e ainda um último capítulo Elementos de Delicadeza “Gourmande”. Trata este último capítulo de regras e questões protocolares à mesa e pela primeira vez da forma de organizar o serviço de mesa e o serviço e degustação de vinhos. Este manual, editado em 1808, veio determinar as primeiras regras da restauração moderna. Ora tenhamos em conta que se destinava apenas a grandes casas para banquetes ou restaurantes de luxo da época. Locais apenas frequentados por clientes que conheciam todos as regras de etiqueta e do serviço naquele tempo!
Antes de mais vou assumir que o empregado de mesa é, acima de tudo, um vendedor. É o verdadeiro agente comercial do restaurante. É um permanente agente de relações públicas do local. É um comunicador. É um agente cultural que sabe informações sobre comida e vinhos. Deixemos a falsa questão que os empregados de mesa foram transformados em transportadores de comida. Também a transportam, e cada vez mais a comida está mais elegante no prato.
Hoje em dia não deverão existir as tradicionais guerras entre a brigada de cozinha e a de mesa. Tem que haver um espírito de equipa conjunto e até uma certa cumplicidade.
Ao empregado de mesa não se deve exigir a colocação de uma mise en place completa. Esqueçamos a apresentação/mostruário de todos os talheres e copos. Por perda de tempo na colocação e recolha do desnecessário, pela obrigatoriedade de lavagem dos artigos recolhidos, pela perturbação causada aos clientes que não sabem que talher ou copo usar, e finalmente pela própria elegância da mesa.
Ao empregado de mesa já não se deve exigir que saiba dobrar o guardanapo de dez formas diferentes. Cada vez mais a simplicidade impera até para evitar os demorados manuseamentos.
Cada vez se executa menos a chamada “cozinha de sala”, e por vezes, quando acontece, vem um elemento da cozinha executá-la. Possivelmente com mais sabedoria, eficiência e melhor tratamento das mercadorias. A cozinha de sala é sempre um complemento.
O empregado tem que saber os conceitos básicos de cozinha para melhor poder explicar e vender. Como deve saber explicar habilidosamente as propostas do dia.
Em relação aos vinhos, e hoje as cartas são por vezes longas, o empregado de mesa tem que saber sugerir os vinhos mais ajustados para cada prato, pelo que a sua cultura deva passar pela aprendizagem das castas portuguesas e adquirir sensibilidade para os defeitos primários do vinho, quando tenha que o provar. Que deveria ser uma prática corrente…! No capítulo dos vinhos o empregado de mesa é também um conselheiro, um comercial, um actor e basicamente um gestor. Não esquecer que o empregado de mesa deve conhecer o código de etiqueta do escanção, sem ter que ser um especialista.
Mas afinal quais devem ser, ou quais são, as grandes mudanças na exigência do serviço de mesa? Em poucas palavras: fazer aumentar o negócio, rentabilizando tarefas e criando uma melhor satisfação ao cliente.
Cada restaurante é cada vez mais um caso diferenciado. Caberá ao empresário seleccionar a melhor solução. Certo é que é a brigada de mesa que garante a fidelização da clientela.
E cabe também aos empresários dialogar com as escolas de hotelaria para lhes manifestar as novas exigências. Para alterar os métodos das escolas e melhor preparar os alunos para as novas realidades da profissão.
Aos empresários também o desfio de perceberem quanto a brigada de mesa pode, e deve, contribuir para melhorar os resultados. Muitas vezes perde-se clientela por um serviço apático, frieza no relacionamento, infantilidade de comportamentos, serviço robotizado, ausência de regras e o lamentável pingue-pongue. Mas perde-se clientela também porque não se pára uns minutos para reflectir.
O empregado de mesa é sobretudo um vendedor encantador, com atitude positiva, com um sorriso e com capacidade para surpreender o cliente.

(C) Virgílio Nogueiro Gomes