Sável à Portuguesa

Mais uma receita que se chama “à portuguesa”. Não sendo uma receita das nossas tradições, é uma receita que valerá apena experimentar. Tenho uma certa simpatia pela sua autora, Ginette Mathiot (1907-1998) que já me permitiu escrever duas crónicas a partir das suas obras: “Ginette Mathiot Internacional” e “Receitas à portuguesa em Ginette Mathiot”. A sua obra mais conhecida, e verdadeiro bestseller, foi o livro La cuisine pour tous, 1932, que em 1990 vê o título substituído para Je sais cuisinier. No total publicou trinta livros.

 

 

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Primeira página do livro

 

A receita que hoje apresento “Alose à la Portugaise” (Sável à Portuguesa) foi publicada no livro Je sais fair les Conserves cuja primeira edição é de 1948, mas eu utilizei a edição de 1958 que tenho em casa. Como o livro é dedicado às conservas, a receita é para confecionar com sável em conserva que, apesar de ser pouco comum em Portugal, mas descansem, já há conservas de sável. Para quem não tiver facilidade encontrar sável também poderá tentar a receita com atum. Em Portugal podemos encontrar conservas de peixe do rio de: Achigã, Barbo, Carpa, Fataça, Lúcio perca e Truta. Felizmente está a renascer uma prática de consumo de peixes de rio e também o aparecimento de conservas desses peixes.

Este livro é um verdadeiro tratado de conservas. Mas não é só o que conhecemos de conservas, “enlatados”, mas várias fórmulas e receituário para as donas de casa poderem proceder à conservação de muitos produtos alimentares e uma atenção especial para Legumes, Frutas, Peixes e Carnes. Começa com um capítulo com informações fundamentais para preparar conservas e produtos associados, e segue com um grande Receituário Conserveiro, depois Utilização das Conservas Industriais e termina com a Charcutaria Caseira. Um livro muito atual onde, verdadeiramente, se aprende. Há edições mais recentes, 2004.

Vejamos a receita:

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Alose à la Portugaise

E agora a tradução:

Sável à Portuguesa

Preparação: 20 minutos – Confeção: 40 minutos

Ingredientes: 100g de cebolas, 600g de sável em conserva, 200g de presunto em fatias, 1 caixa de tomates inteiros, 1dl de vinho branco, 1 caixa de puré de azedas*, louro, salsa, sal, pimenta e 50g de manteiga.

Numa frigideira aquecer a manteiga e cozer levemente as cebolas finamente picadas, durante 15 minutos.

Colocar em travessa, de ir ao forno, os tomates cortados de forma grosseira, o puré de azedas e o puré das cebolas. Temperar bem. Aquecer em forno lento (100-120º) durante 10 minutos. Colocar o sável escorrido, cobrir com as fatias de presunto e regar com vinho branco. Acrescentar tempero e cozinhar no forno lento durante 20 minutos.

*não conheço puré de azedas embalado ou pré-preparado em Portugal. Poderá fazer uma espécie de “piso” com azeite.

A pergunta é sempre a mesma, por que se chama esta receita à portuguesa? A resposta é sempre difícil. Será porque leva tomate? Auguste Escoffier (1846-1935) no seu livro Le Guide Culinaire, terá sido com esta obra o maior divulgador da cozinha internacional e no qual a denominação “à portuguesa” significaria que o tomate era ingrediente à portuguesa. Mas antes de Escoffier, Joseph Favre (1849-1903), no livro Dictionnaire Universel de Cuisine Pratique, 1894, classificava algumas receitas como portuguesas porque continham tomate. Nenhum destes autores tem receita de sável à portuguesa. No entanto, Joseph Favre tem uma receita de “Sável com Azedas”. O sável é grelhado no espeto, e depois é servido com um puré de azedas.

Os portugueses sempre tiveram uma relação boa com as conservas, com alguns interregnos, e agora estamos num momento de regresso ao seu consumo. Lembro ainda de nos anos 60 e 70, muitos bons restaurantes e hotéis terem carrinhos de hors-d’oeuvre sempre com a presença de conservas em lata especialmente de sardinhas e atum. Antigamente raramente se cozinhavam as conservas. Hoje há uma grande quantidade de receitas expressamente para conservas.

BOM APETITE!

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

 

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Como podem ver neste mapa, publicado no livro, também em França a produção de sável em conserva seria deminuta pois apresenta-se como "Fabrication Peu Courante".