Peixes do Rio no Alandroal

Integrado no vasto programa Peixe do Rio do Alandroal, XII Mostra Gastronómica, realizou-se o Congresso Cozinhas do Rio no qual apresentei uma comunicação.

Os peixes do rio quase desapareceram das listas dos restaurantes e apenas surgem em épocas específicas ou locais de pesca destes peixes. Exceção para as badaladas lampreias, o mais presente sável e as trutas. Neste evento a que aderiram uma quinzena de estabelecimentos que apresentaram os seguintes peixes: Achigã, Barbo, Carpa, Lampreia, Lúcio-perca e Sável. Quanto às confeções a variedade é grande: Açorda, Caldeirada, Caldeta, Cebolada, Ceviche, Fritura, Massada, Sopa e Tomatada, o que revela fazer todo o sentido continuar este evento. Quem sabe, alargar aos concelhos de proximidade e que também tenham uma tradição de pesca fluvial.

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Foto de Pescador © Humberto Mouco

Permito-me transcrever alguns parágrafos do texto que apresentei no evento:

Antes dos peixes do mar, terão os nossos antepassados adquirido o hábito de pescar e consumir peixes do rio. A sua tradição na alimentação portuguesa foi seguramente anterior à dos peixes do mar, estes mais difíceis de obter especialmente em período de inverno pelas dificuldades que o mar oferecia. E lá diz a expressão popular que a mulher e o peixe do mar são difíceis de apanhar.

Os peixes de rio estiveram sempre ligados a consumos locais pois o seu transporte implicava cuidados especiais e, por se tratar de artigos facilmente perecíveis, não poderiam ser partilhados por muitas regiões.

Escrever sobre os peixes do rio é escrever sobre as tradições locais das margens dos rios, e seus comportamentos, para uma prática alimentar. Nunca as mesas ricas ou imponentes recebiam nas suas opulentas refeições recebiam estes peixes que eram do povo.

João Gomes Esteves, num texto intitulado” O peixe na gastronomia alentejana”, 2000, escrevia: A paisagem vasta e ondulante do Alentejo, tingida do dourado das serras, lenta e calma, de quando em quando, por sobreiros e azinheiras discretas em cuja sombra o gado abundante se acolhe, faz-nos esquecer a vida irrequieta que circula nos rios e na faixa costeira da região. O peixe na gastronomia alentejana é, assim, à primeira vista, um tema de abordagem difícil e por isso mesmo ainda mais saborosas, a obrigar a alguma pesquisa e muita degustação. De facto, a busca de documentação para registar as tradições do peixe de água doce não se relevaram fáceis. Desde sempre, também se pensou e fixou que peixe não puxa carroça e, por isso, o peixe era relegado para segundo plano alimentar.

No receituário português encontramos uma receita de “Lampreia à moda do Guadiana” de Maria Odete Cortes Valente, no livro Alentejo, Círculo de Leitores, 1994. Trata-se de um guisado de lampreia enriquecido com vinho tinto com o sangue da lampreia, a meio da cozedura juntam-se coentros, e acompanha com arroz branco. Há ainda uma receita de um conhecido pescador de Juromenha, concelho do Alandroal, a “Lampreia à ti Zé Ralo”, publicado por José Maria de Sousa Pereira Rente, Elvas, 1854, que consiste em fazer uma marinada de vinho tinto, vinagre e com o sangue da lampreia, cebola às rodelas, alho picado, salsa e sal e pimenta. Depois coloca-se um tacho ao lume com azeite e enche-se com a marinada completa. É assim em estufado que coze tudo em cru e lume brando.

E voltando ao texto de João Gomes Esteves, cita-nos a famosa Escalda – Caldeirada das margens do Guadiana no Caia ou no Sítio da Venda ou no Moinho de Bagage, onde pululam as enguias e as bogas, bem tratadas com coentros, poejos, orégãos, cebola, salsa, alhos, azeite… Não podia faltar também o vinagre, a farinha de trigo (para engrossar) e, claro, o pão às tiras – tudo bem apurado e disposto naquele fantástico utensílio de cozinha que o Alentejo utiliza à exaustão que dá por nome de terrina.

A fauna dos nossos rios alterou-se significativamente na segunda parte do século XX com a construção de tantas barragens. Atualmente encontramos uma grande variedade de peixes no rio Guadiana e seus afluentes. Entre eles podemos ver Bordalos, Bogas do Guadiana, Bogas-de-cabeça-arqueada ou Pardelhas, Tainhas, Muges, Sabogas, Escalos, Achigãs, Lúcios, Carpas…. Lamentavelmente pouco divulgados, desconhecida a sua comercialização, e que não surgem nas listas dos restaurantes. Não é exclusivo este detalhe do Alentejo. Os peixes do rio sempre serviram para alimentação das populações locais e em particular dos poucos pescadores que ainda existem. Sorte das suas famílias que aproveitam esta riqueza fluvial! Urge criar um sistema para o seu consumo, regulamentar a sua venda e período de defeso, e informar os possíveis diferentes mercados. Quem sabe os chefes de cozinha da nova geração possam dar contributos para a valorização destes peixes.

Mais alguns peixes faltarão, mas com pequena expressão. Habitualmente estes peixes são fritos que acompanham com batata cozida ou arroz, sem registos de receituário divulgado. Cada localidade tem as suas receitas. Cada região deve orgulhar-se das suas receitas e continuar a confecionar de acorda com as tradições locais.

Os alentejanos perceberam, também, que o vinho é um excelente parceiro para acompanhar os peixes do Guadiana pois, estes, saberão melhor!

Parabéns à Câmara Municipal do Alandroal, ao Chef José Júlio Vintem e ao Paulo Amado que em conjunto montaram este evento.

© Virgílio Nogueiro Gomes