Balaio e Balaieiros

 

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Maracatu Axé de Oxóssi

De volta ao Carnaval de Fortaleza e na esperança de que alguns ainda tenham tempo para se organizarem e assistir aos festejos de 2016. O meu desfile favorito é o dos maracatus, domingo de Carnaval, e agora estou também interessado nos afoxés que desfilam na 3ª feira. Já desfilei em ambos. Em crónicas anteriores relatei sobre a presença, e importância, da Calunga e da Rainha. També escrevi sobre dois orixás: Oxóssi e Oxum. Desta vez irei relatar alguma informação sobre o balaio e os Balaieiros.

 

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Maracatu Az de Ouro

Antes de mais, esclarecer que eu, não sendo fotógrafo, tirei diretamente todas as fotos durante o desfile de 2015. Se por um lado não sou um bom fotógrafo, por outro não me pareceu apropriado pedir aos balaieiros que posassem durante o desfile pelos inconvenientes que esse facto poderia prejudicar o ritmo de desfile e, ainda mais grave, penalizasse a sua pontuação. O balaio é alvo de classificação individual no desfile, por isso a seu papel importante para a avaliação global do grupo.

 

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Maracatu Kizomba

Importante em todo o desfile é entender as alas e a presenças individuais. Muitas delas estão associadas a uma simbologia que muitos ainda desconhecem. Para além do seu sentido místico, tem outros mais profanos e a versão do século XX dos maracatus revela outros aspetos sociológicos ou do Brasil de várias nações, de várias raças e de múltiplas religiões. Sem perder o novo sentido do folguedo os maracatus mostram, também, um pouco da sua história e especialmente a união das várias raças, sentimentos e um conjunto de apropriações que marcam a cultura.

 

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Maracatu Nação Baobab

O que é o balaio? Segundo Sérgio Pires no seu livro “Ispaia Brasa”, 2004, escreveu: Balaio- cesto de palha, com o formato de um alguidar, em que são conduzidas frutas tropicais, (a princípio reais, hoje misturadas com frutas de plástico), oferenda a entidades espirituais protetoras do maracatu. Ora daqui podemos desde já deduzir o simbolismo da oferenda que, para mim, continua a significar uma forma dos crentes dialogarem, ou aproximarem, das entidades superiores às quais oferecem frutos da Natureza, de grande pujança, que igualmente veneram. Se observarmos atentamente as entidades de candomblé, toas as forças da Natureza aí estão representadas. Estas oferendas encontram paralelismo em outras religiões que também as fazem, por vezes com idênticos rituais. Ainda transcrevendo Sérgio Pires: Balaieiro – Conduz o balaio na cabeça, uma peça bem grande. Alguns colocavam pedras no fundo do balaio para aumentar o peso e favorecer o equilíbrio no decorrer das evoluções.

 

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Maracatu Nação Fortaleza

De forma mais abrangente, Raul Lody, no seu “Dicionário de Arte Sacra e Técnicas Afro-brasileiras, 2003, escreveu sobre o balaio: É uma variante do cesto, com formato que lembra o alguidar de barro… usado como importante peça de apoio para transporte de diferentes mercadorias. Nas religiões afro-brasileiras são muitos os usos do balaio. Podemos assim afirmar que o balaio não é exclusivo do maracatu. É, pois, um objeto de muito uso para cerimoniais para além do sentido prático de sua utilização de transporte.

 

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Maracatu Nação Iracema

Danielle Maia Cruz, no livro “Maracatus no Ceará”, 2011, escreveu: Aproximando-se da corte, havia o balaieiro. Com gestos leves, o rapaz conduzia sobre a cabeça uma cesta de fruta denominada balaio. Seus trajes – um longo vestido colorido com babados… Confirmação de que os balaieiros eram sempre homens, habitualmente vestidos com vestido semelhante ao das negras. E assumindo a negritude.

 

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Maracatu Nação Palmares

De Oswald Barroso, em texto chamado pelo autor “Cortejo de Deuses Negros”, e editado na internet, podemos ler: Depois das baianas vem o balaieiro carregando sobre a cabeça um grande cesto com toda a fartura do mundo. Quando mais cheio o balaio, e mais naturais as frutas que carrega, mais mérito tem o balaieiro, se a graça e a leveza do seu bailado não se altera. A importância da sua forma de desfilar veio seguramente determinar que fosse alvo de classificação individual.

 

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Maracatu Nação Pici

Pingo de Fortaleza, escreveu sobre o assunto no livro “Maracatu Az de Ouro”, 2007. Transcrevo: Balaieiro: com uma fantasia normalmente livre, indo de negra a outros motivos visíveis (Mestre Juca) desfila no centro do cortejo fazendo mesuras ao público com um grande balaio carregado de frutas sobre a cabeça. Representa a fertilidade, a festa da colheita e a repartição de frutas. Antigamente eram de verdade. Agora, são enfeites artesanais e podem receber o acréscimo de outros elementos estéticos. Mestre Juca do Balaio, balaieiro do Maracatu Az de Ouro durante muitos anos, não segurava o balaio com as mãos, mas equilibrava-o magistralmente enquanto desenvolvia sua coreografia. … Para a figura de balaieiro do Az de Ouro, figura que exige durante o cortejo muita habilidade, resistência e talento coreográfico…

 

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Maracatu Rei de Paus

Mestre Juca do Balaio foi seguramente a figura mais carismática dos maracatus de Fortaleza. Por isso, foi qualificado como Mestre da Cultura, e elogiado em texto de outro grande Mestre da Cultura, Gilmar de Carvalho, no livro “Mestres da Cultura Tradicional Popular do Ceará”, 2006. E escreveu: Mestre Juca distribui as frutas do seu balaio num ritual de partilha e de comunhão comunitária. … balaieiro cantor de loas, levando na cabeça um troféu pela fertilidade da terra. … este apelido carinhoso de Juca, ao qual acrescentou, para sempre, a condição de mestre, e o epíteto de balaieiro. Será uma referência do carnaval cearense, com sua figura hierática, sua elegância e a maneira solene com que levava fruta neste ritual pagão. … o balaieiro Juca agradecia à terra tão seca e maternal ao mesmo tempo.

 

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Maracatu Rei do Congo

Outros balaieiros se notabilizaram, e muitos outros com quem tenho o prazer de convier continuam a engrandecer o desfile de maracatu. Quero apenas citar Cícero Anastácio, meu Mestre de maracatu, que também desfilou com balaio, e a pessoa com quem aprendi a integrar-me no grupo. Ele me ensinou a dançar, as regras do desfile e ainda a estilo enriquecido das suas confeções de fantasias.

 

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Maracatu Solar

Calé Alencar escreveu uma loa de homenagem a Mestre Juca do Balaio que cantaram e gravaram em conjunto: Mestre Juca do Balaio / Dança teu maracatu / Mestre Juca do Balaio / Eu e tu e o caxambu / Mas não esqueça do luar de Luanda / Maracatu é maracá / Maracondê / Ó meu xamã / Fruta boa do balaio / Pitanga, manga, pitomba / Bamba de bambaliê / Eu vou, eu vou / E você também vai / Apanhar macaúba no balaio / Apanhar macaúba no balaio / Eu vou, eu vou / E você também vai.

 

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Maracatu Vozes de África

Uma palavra de simpatia para os Maracatus Filhos de Iemanjá e Rei Zumbi, e um pedido de desculpas por não ter imagens dos seus balaieiros.

Não esqueça que o Carnaval de Fortaleza é tranquilo, bem organizado e pode, com a diversão, enriquecer a sua Cultura.

© Virgílio Nogueiro Gomes