Não vou contar histórias de pecadores suplicantes, nem de pedidos desesperados ao Divino. As súplicas sobre as quais vou escrever são as mesmas que Manuel Mendes, no seu livro “Os Ofícios”,cita no capítulo do doce açúcar, e que acha assim se chamarem por lembrarem “dores de paixão” ou inventadas por sofrimento de amor. São também as mesmas que Inês Pedrosa cita no prefácio do meu livro “Transmontanices”. E ainda as mesmas que Maria de Lourdes Modesto apresenta na doçaria transmontana do seu livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”. E, especialmente, são as súplicas que encontrei na receita do caderno de minha Mãe, que recentemente chegou até mim, como referi em crónicas anteriores. Mas a vontade de escrever sobre súplicas vem provocada pela memória e saudades das súplicas da minha infância, e depois pelo prolongamento da vida e suas recordações. Em minha casa faziam-se súplicas mas, muitas vezes, eram encomendadas à Senhora Catarina, que vivia nos Batoques em Bragança, e que eu e a minha irmã Lina íamos levantar. Claro que pelo caminho a quantidade ia-se diminuindo tanto pela gulodice, como pela circunstância do passeio. Quantas vezes chegámos a casa com apenas pouco mais de metade da encomenda!
As súplicas incluem-se no grupo de doçaria popular que tenho vindo a defender e divulgar. Este é dos doces que ainda é muito fácil de encontrar, em especial no nordeste transmontano. Já quase não se veem é as vendeiras que apareciam nas feiras, e romarias, com belos cestos cobertos por panos de linho, uns com bordados, outros com rendas.
A sua receita parece simples. Pega-se na mesma quantidade de farinha e açúcar e oito ovos para cada meio quilo daqueles produtos. Primeiro juntam-se os ovos com o açúcar e batem-se muito bem, sem ter a preocupação de criar bolhas. Este batimento regular nunca deve ser inferior a quarenta e cinco minutos, até uma hora. Depende do vigor do executante. Ora é esta operação o delicado desta receita. E o seu segredo. Não é difícil o corajoso “suspirar” que este batimento chegue ao fim. Depois vai-se adicionando farinha, pouco a pouco, até que esteja toda bem incorporada e se sinta uma massa bem homogénea. Depois de untar um tabuleiro com manteiga coloca-se, com a ajuda de uma colher, a nossa massa, às colheradas individuais, deixando um grande intervalo pois as súplicas podem atingir cerca de oito centímetros. Saídas do fornos polvilham-se com açúcar em pó.
Raramente as súplicas tinham tempo de secar em minha casa pois a lambarice não o permitia. Quando acontecia, levavam-se com uma grelha ao borralho da lareira, e quando amoleciam, juntava-se um pouco de geleia de marmelo… e era de lamber os dedos.
Esta receita é, por vezes, atribuída ao Mosteiro de São Mamede do Lorvão. Este mosteiro ganhou grande prestígio depois de nele ter ingressado uma filha de D. Sancho I. Curiosamente aparece uma receita de “Suplicos” no livro de “Receitas da casa do mosteiro de Landim”, dando-lhe a sua origem a Vila Nova de Famalicão, à Pastelaria Bezerra. A mesma receita também se encontra em Vila Nova de Foscôa e, a exemplo do nordeste transmontano, também é considerada como um doce popular. Independentemente da sua possível origem conventual, este doce desenvolveu-se e integrou a tradição popular regional. De um doce de festas, feiras e romarias, transformou-se, felizmente, num doce do quotidiano.
Mãos à obra, ou aos dentes.
© Virgílio Nogueiro Gomes
Setembro 2011