Quando recentemente referia o conforto de ter em casa muitos livros também deveria citar o incómodo que parece provocar. Em minha casa há livros em todo o espaço que parece livre. E quando estou a escrever, sobre assunto que necessita consultas, é vulgar não encontrar sítio para sentar alguma visita que chega inesperadamente. Os habituais já se habituaram a empilhar livros para conseguirem um lugar sentado. Mas eu entendo-me nesta desarrumação. É vulgar ter várias edições do mesmo livro. E o mesmo livro em várias línguas. É que, por vezes, as anotações se revelam tão importantes quanto o livro. E isto a propósito do livro sobre o qual escreverei.
Recordam-se que escrevi em “Curiosidades I” sobre o “Dictionnaire de l’Académie dês Gastronomes”, uma edição de 1962 de autores vários e sem identificação do seu conteúdo com os respectivos autores. Interrogava-me sobre os conteúdos referentes a Portugal. Tinha vários elogios, mas também algumas imprecisões. Ora, quando escrevi aquele texto eu já sabia que iria escrever este. Porque entretanto, em finais de 2008, Jean Vitaux e Benoît France publicaram o “Dictionnaire du Gastronome” através da Presses Universitaires de France. No texto introdutório, logo na primeira frase, os autores assumem que este livro “…é a nova edição do Dictionnaire de l’Académie dês Gastronomes… É igualmente um dicionário de autores…”. Ficamos também a saber que, Jean Vitaux, é o responsável dos textos de gastronomia e iguarias e, Benoît France, o responsável pelos textos relacionados com o vinho.
Se são contestáveis algumas considerações da edição de 1962 éramos, no conjunto, beneficiados em ambos os textos, no de gastronomia e no de vinhos. Posso pensar que ao actuais autores, e responsáveis por esta última edição, não conhecem Portugal, não vieram a Portugal, nem se informaram sobre Portugal. O que é muito estranho sobretudo em relação aos vinhos e particularmente em relação ao Vinho do Porto.
Quanto à gastronomia, lamentavelmente, apenas à significação do termo “à portuguesa”. Quanto à etimologia, e permito-me transcrever a tradução de minha autoria: “De Portugal, porque os componentes de guarnição lembram a cozinha e o Sol deste país.” Que cozinha? Deveria ser, de forma simples, definida. Depois continua com a gastronomia cuja designação “à portuguesa” são as preparações à base de tomate. Para a guarnição “à portuguesa”, temos tomate recheado de um picado de cogumelos e batatas castelo, cobertos de molho demi-glace atomatado. Para o molho “à portuguesa” é um creme de tomate com azeite e cebolas, salsa picada, rapa de alho e pimenta. Ora esta convenção é que eu gostava que desaparecesse. Eu sei, já tem mais de um século e os reportórios feitos há mais de cem anos não foram alterados! Por curiosidade fui espreitar os escritos do “Larousse Gastronomique”, edição de 1960, e sobre Portugal, que não é considerado nas cozinhas estrangeiras, apenas tem esta guarnição e uma referência às ostras “portuguesas”.
Reafirmo que se a edição de 1962 do “Dictionnaire” é menos correcta mas temos honras de detalhe e longo texto. Contrariamente ao que acontece em relação à Espanha, que nesta edição é mais beneficiada. Apetece perguntar porquê.
Ainda sobre esta edição tive o cuidado de verificar toda a bibliografia citada. De facto nenhuma obra tem identificação da cozinha portuguesa. Mas tem o “Inventário do Património Culinário da França”, que eu muito gostaria de ver efectuado em Portugal. Vale-nos a Maria de Lourdes Modesto que a seu tempo conseguiu uma obra extraordinária que continua actual, e útil. Quando se fala em modernizar a cozinha portuguesa tem que se ter uma formação de base das nossas cozinhas regionais, e conhecer profundamente todos os seus produtos. Só assim se pode evoluir. Assim a modernidade será uma evolução natural da tradição. Depois há a publicidade e o marketing…
Continuação de bom Verão.
Comam bem e bebam vinho a acompanhar. O vinho é o companheiro ideal da comida.
© Virgílio Nogueiro Gomes