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(Covilhetes de Vila Real)

Realizou-se, ontem, dia 26 de Junho de 2010 o Capítulo da Primavera / Verão da Confraria dos Enófilos e Gastrónomos de Trás-os-Montes e Alto Douro, dedicado à Biodiversidade.

A partir das 09h30 esperavam-nos no Conservatório Regional de Música de Vila Real com uma mesa com “Covilhetes” e Vinho do Porto e Sumo de Laranja como degustação de espera para o início do Capítulo. Na hora certa entrámos para o Salão Auditório onde o Director do Conservatório nos deu as boas vindas e apresentou os artistas que fariam um concerto: Margarida Machado ao piano e José Viana com clarinete.

Seguiu-se um conjunto de palestras sobre a Biodiversidade dirigidas a esta região. Primeiro o Prof Virgílio Alves apresentou-nos a raça “Maronesa”, DOP, defendendo a necessidade de protecção para as raças autóctones, valorizando a criação da maronesa para o equilíbrio das populações locais. Referiu também que esta produção respeita o ambiente e em simultâneo se dirige para o bem-estar do animal. A importância de manter a produção da raça maronesa garante a autenticidade, mantém a tradição e dá uma imagem positiva do território. Curiosamente esta carne é consumida a 51% na região e os restantes 49% fora da região. Seguiu-se com uma palestra pelo Prof Nuno Magalhães com o tema “A Biodiversidade da Videira em Portugal” desenvolvendo a explicação sobre a história e expansão ou fixação das castas. Apresentou ainda Portugal como centro de origem de algumas castas e que Portugal se encontram cerca de 250 castas autóctones o que nos coloca como o país que mais castas possuiu. Terminou referindo a importância da manutenção da biodiversidade para valorização do território e das suas populações. Depois destas intervenções o Dr António Manuel Pires Cabral surpreendeu a assistência com uma brilhante comunicação lendo partes do poema “O Melro” de Guerra Junqueiro (1850-1923) e integrado no livro “A Velhice do Padre Eterno”. À medida que ia lendo o poema ia fazendo comentários interpretativos que, no início, nos pareceriam contra a biodiversidade, quando termina, afinal apresenta um verdadeiro hino à biodiversidade. Pires Cabral, também poeta, deliciou a plateia com esta apresentação e deixou suspeitas, que não se concretizadas, de podermos degustar melro com chouriço ou um arroz de melro. Para terminar o Eng António Monteiro, nosso ilustre Grão-Mestre, com uma curta intervenção, que brevemente será publicada, apresenta em resumo as necessidades da defesa da biodiversidade, sem fatalismos mas com uma mensagem de dias melhores, e com a obrigatoriedade de envolvimento de todos e os perigos que corre a “pequena agricultura”. Termina: “Pois então… Proclame-se o direito à vida da natureza e à cartilha da obediência de todos nós, aos éditos da mãe-natureza!”.

Do Conservatório partimos em “procissão” a dois estabelecimentos que foram galardoados há oito anos, com placas da Confraria, como garante de produção de qualidade de produtos regionais. Primeiro a Pastelaria Gomes, com os seus famosos “Covilhetes” além das bolas de carne e pastelaria variada, onde fomos recebidos por Cid Gomes que “renovou” o compromisso de manter a categoria das sua produções. Lembro que a Pastelaria Gomes está estabelecida desde 1925 e é uma das imagens de marca de Vila Real. Depois seguimos para a Casa Lapão que se orgulha das suas “Cristas de Galo” e mais pastelaria de origem conventual. Pela voz de Rosa Cramez ouvimos também a “renovação” de compromisso para a continuação da produção em qualidade. A Casa Lapão, inicialmente padaria, terá começado a produção de pastelaria entre 1915-1920, e que beneficiou da vantagem de a sua costureira ser também costureira do Convento de Santa Clara que lhes terá trazido as famosas receitas.

Agora a caminho do almoço, que foi servido no Hotel Mira Corgo, sempre acompanhados pelo grupo de Gaiteiros mirandeses Ângelo Arribas, seu neto Dinis Arribas e David Jantaradas. O almoço é sempre um dos pontos altos do Capítulo. Desta vez começámos com um “Caldo de cabeça de maronês”. O caldo começa a confeccionar-se pelo nascer do Sol, colocando um pote ao lume com água e os ossos da cabeça de um maronês para obter um bom caldo. Depois junta-se couve cortada, aboborinhas, alho-porro, abóbora, cenoura, feijão verde e batata até todos os produtos estarem cozidos. Retiram-se os ossos e limpam-se da carne que se junta ao Caldo. Seguiu-se “Polvo à lagareiro”. O polvo é um dos elementos que caracterizam a alimentação nesta região. Neste caso o polvo foi cozido com cenouras, salsa, cebola e louro. Depois é escorrido e colocado em tabuleiro de ir ao forno e regado de forma generosa com azeite transmontano e vai corar. Serve-se com batatas coradas cortadas às rodelas, rodelas de cebola crua e azeitonas pretas. Para a carne foi escolhido “Macarrão com guisado de carne maronesa”. Esta receita pretende mostrar todas as partes, menos nobres, e que se revelam componentes importantes e saborosos. Claro que a maioria das peças são vendidas para fora da região, e os locais criam alternativas de valorização de toda a carne. Começa-se por fazer um refogado com azeite e cebola ao qual se junta tomate, nabo e cenoura. Coloca-se a carne maronesa aos pedaços e deixa-se guisar. Quando a carne estiver cozida, retira-se. Junta-se caldo de carne ao refogado e coloca-se o macarrão. Quanto este estiver cozido junta-se a carne até que esta volte a ficar bem quente e serve-se. Este prato fez-me lembrar de imediato a carne que se servia nas ceifas, reafirmado também pela minha amiga Graça Morais. Para sobremesa tivemos “Cristas de Galo”, “Pasteis de Santa Clara” e Cerejas de Resende. Nos vinhos foram servidos branco “Thyro” 2099, Douro DOC, produzido pelo jovem João Fernando Cardoso Teixeira Lopes, de Barrô, Resende, e tinto “Inquieto” Reserva 2006, Douro DOC, produzido por Douro Prime S.A. no qual está envolvido o nosso Confrade António Alexandre Mariz de Carrazeda de Ansiães. Os pratos e vinhos foram explicados respectivamente pelas Confrades Isabel Escudeiro e Celeste Marques e o conjunto da refeição por José Bessa Guerra. O Capítulo contou com 118 participantes.

Para surpresa final recebemos uma lembrança com “Pitos de Santa Luzia” e Ganchas de São Brás”, acompanhada de textos fantásticos sobre estas duas tradições e às quais voltarei noutra crónica.

O próximo Capítulo será em Setembro, em parceria com a Irmandade dos Vinhos Galegos, dedicado às "falas" (portuguesa, mirandesa, galega e "churra") e à "sexualidade dos vinhos". Será apresentado o nº 4/5 da revista "Bebes.Comes" (trilingue). 

Durante o almoço foram ouvidos alguns ditos populares, que cito apenas:

“Por cima da sopa molha-se a boca”

“Boa companhia (vinho) para a Vida”

E, inscrito na rolha de cortiça do vinho branco: “Dá-me a beleza fácil das coisas úteis e torna-me feliz”

Bom Apetite. A comida sabe melhor bebendo vinho, mas aprendam a beber com moderação.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

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(Renovação de compromisso da Casa Lapão)