A Mulher no Lar

Tenho vindo a afirmar que, pelo facto de até aos anos 70 do século XX a maioria da população tomar as refeições em casa, e termos uma educação do gosto em família, as refeições eram marcadas por uma confeção no feminino e ser possivelmente influenciada pelos inúmeros livros de confeções fáceis, escritos por mulheres e dirigidos às mulheres. Na crónica “Livros no Feminino” fiz a apresentação de alguns livros sem a pretensão de ser uma lista exaustiva. E o exemplo que hoje vos trago é bem o exemplo disso.

Esta tendência não é exclusiva de Portugal e outros países como o Reino Unido há pelo menos três autoras que se celebrizaram já no século XIX: Mrs Beaton, Eliza Acton e Mrs Charles Darwin e, em França, no século XX a bestseller Ginette Mathiot, sobre a qual já escrevi algumas vezes, e apresentei as suas receitas “à portuguesa”.

 

 

 

amulher1

A Mulher no Lar é um livro publicado em 1916 pela Livraria Clássica Editora e da autoria de Emília de Sousa Costa. A autora foi professora, escritora e destacada militante feminista. Escreveu vários livros infantis e especialmente livro de contos, ultrapassando a cinquentena o número de obras publicadas. Escreveu ainda um diário sobre uma viagem que fez ao Brasil em 1925. Publicou em 1914 o livro Na sociedade e na família, até à terceira edição que ocorreu em 1937.

O livro A Mulher no Lar foi alvo de um estudo do saudoso Dr Francisco Sampaio e publicado pelo Grémio Literário Vila-Realense em 2009, local onde se encontra o espólio literário da autora e doado pela sua neta Isabel Maria de Sousa Costa Belo Correia Levy e marido. E é especialmente sobre este livro que irei escrever. O livro tem como subtítulo: Arte de viver com economia. Tema muito atual e que hoje se fala muito em sustentabilidade apesar de muita gente não saber, na prática, o que significa.

 

amulher2

Capa do estudo publicado pelo Grémio Literário Vila-Realense

 

amulher3

1ª página do estudo

Este livro vem na sequência de outros, vários no século XIX, que se intitulam de “receitas”, “receitas úteis”, “coleção de receitas” e outros, que não são livros de receitas de cozinha, mas também incluem algumas. Brevemente farei uma crónica sobre esses livros. O livro A Mulher no Lar tem cinco capítulos: “Saúde e Higiene”, “A Cozinha”, “A Educação da Mulher”, “A Vida na Família” e “Vestidos e atavios”. O capítulo com mais páginas é o da cozinha, por isso a maior importância do livro.

No capítulo “Cozinha” tem um texto introdutório com comentários curiosos, um texto com “Advertências”, um texto com conselhos sobre “Carne de vaca” e depois as “Receitas Culinárias” avisando: “As receitas que damos constituem apenas um pequeno guia, para exemplificação do que num lar modesto, e com modico dispêndio monetário, se consegue, havendo da parte da dona de casa o desejo de ser agradável à família ou aos convidados.” Seguem-se oito receitas de sopas, cinco de purés, quinze de legumes e hortaliças, nove de carnes, duas de arroz, três de croquetes (carne, bacalhau e batatas), duas de almondegas, onze de peixes, uma de manteiga económica para massas, guisados e omeletes, uma de calda de tomate, e treze para doces sendo um de croquetes de maçã, e inclui dois pudins. As receitas parecem de uma grande facilidade e especialmente estão muito bem escritas para todos (as) entenderem. Livro de grande interesse para a época.

 

 

 

amulher4

Esta autora já tinha publicado anteriormente (1914) um invulgar livro com o título Na sociedade e na Família, que teve três edições sendo a última, (3ª) em 1937. Não tem um capítulo específico para a cozinha ou a mesa, mas estes temas surgem intercalados sempre que o discurso o justifique. É muito interessante ler atualmente alguns dos textos que parecem atuais, e em especial os conselhos de como se devem as pessoas comportar em sociedade (incluindo ir a restaurantes) e dá conselhos para o serviço que alguns dos empregados de mesa atuais deveriam conhecer. A autora avisa em primeira página que é uma “adaptação do francês”, não especificando a obra ou obras. Percebe-se que tem textos de tradições em Portugal como o “Cotillon” que apesar de ter havido uma ligeira prática, atualmente quase ninguém sabe o que era. Um livro cheios de recomendações muito interessantes.

© Virgílio Nogueiro Gomes