Bolo de Noiva, Bolos dos Noivos…

 

O “Bolo de Noiva”, “Bolo dos Noivos”, “Bolo de Núpcias”, “Bolo de Noivado” e “Bolo de Casamento” são as denominações que encontrei em menus de casamento, da minha coleção, desde 1916 até 2018. O estudo que fiz foi sobre um conjunto de 56 exemplares onde se podem encontrar aqueles títulos. Mas nem todos os menus apresentam o bolo do festa havendo essa ausência em 5 datas, sendo o casamento mais antigo o de 1916 e curiosamente o último em 2018. Neste conjunto encontramos as seguintes denominações para o bolo festivo: “Bolo de Noiva” – 37; “Bolo de casamento” – 6; “Bolo de Noivado” - 3 e Bolo de Noivos” – 5. É curioso como a denominação com mais presença é “Bolo de Noiva”, e o noivo? Não tem direito a bolo? Ainda outro elemento a reter é a língua utilizada que é o francês até 1938, quatro menus, e apenas mais um ainda em francês em 1962. Todos os outros são em português.

 

 

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Menu impresso sobre papel transparente, decoração em relevo e dourada, e todo menu e programa musical em dourado, 1919, sem bolo festivo.

 

Mais curioso é constatar a evolução de alguns pratos, novidades, assistindo-se à sua evolução culinária. Este é um tema interessante, mas que ficará para outra ocasião. Também é de notar que o documento de chama “Menu”, e a partir de 1959 conheça e perdura o termo “Ementa”. Para alguns casos o termo “Menu” justificar-se-ia melhor para o tipo de refeição a servir.

Inicialmente e digamos, os casamentos chiques usavam a língua francesa entre 1916 e 1935 (quatro), aliás um hábito para outro tipo de refeições incluindo banquetes de Estado, aparecendo um em 1962 também em francês, e todos os outros impressos em língua portuguesa.

Poucos saberão que a tradição deste bolo foi uma moda iniciada pela Rainha Victória (1819-1901), Reino Unido, para o seu casamento (1840) que, além do seu bolo coberto de branco, também se vestiu de branco. Para o bolo recomendou ainda que fosse confecionado preparando uma massa para ser conservado um pedaço para a celebração do primeiro aniversário de casamente ou para o batizado do primeiro filho se nascesse antes desse primeiro aniversário.

 

 

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Menu em folha simples, decoração em relevo dourada, com bolo de noiva «Pièce de la marié».

 

O famoso bolo de casamento da Rainha Vitoria terá inspirado os bolos de Pernambuco (Recife e Olinda) e de Rio Grande do Sul (Pelotas), no Brasil.

 Da receita publicada no livro Doces Memórias, de Maria José Talavera Campos, Editora Textos, Pelotas, 2012, podemos ver a grande variedade de produtos utilizados na confeção: “manteiga, açúcar, farinha de trigo, amêndoas moídas, cravo, canela, noz moscada, chocolate, fermento em pó, ovos, passa de uva de Málaga, passas de uva de Corinto, goiabada, marmelada, doce de laranja azeda, ameixas sem caroço, leite, compota de pêssego, licor de cacau, vinho moscatel e conhaque”.

 

 

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Programa de casamento em 1958, com decoração de brasão em relevo, rúbricas dos noivos, e bolo festivo “Bolo de Noiva”.

 

Em Pernambuco o “Bolo de noiva” foi reconhecido como patrimônio imaterial de Pernambuco, através de um decreto publicado no Diário Oficial deste estado em 19 de dezembro de 2023. Para além do reconhecimento, e da inserção da receita no Livro de Registro dos Saberes do Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco, a decisão deverá garantir que o Estado elabore um plano para salvaguardar a iguaria e o processo de fabricação. Aqui os ingredientes são: manteiga, açúcar mascavo ou demerara, ovos inteiros; vinho do porto ou vinho moscatel, frutas cristalizadas, ameixas sem caroço, passas sem sementes, farinha de trigo, cacau em pó (opcional), sal, bicarbonato de sódio, cacau em pó 50% cacau (opcional), fermento químico e noz moscada em pó. Maria Letícia Monteiro Cavalcanti, no livro extraordinário História dos Sabores Pernambucanos, Fundação Gilberto Freyre, 2009, apresenta uma receita tradicional. No livro A Civilização do Açúcar, Fundação Gilberto Freyre, 2007, a mesma autora, Maria Leticia Monteiro Cavalcanti, no texto “Açúcar no Tacho”, escreveu: “Bolo-de-noiva é adaptação do «panis farreus» romano, compartilhado pelos casais, como símbolo da vida em comum que se iniciava com a «confarreatio». … no Pernanbuco, feitos com massa escura à base de ameixas, passas, vinho e frutas cristalizadas – tradição britânica que chegou a bem poucos lugares do Brasil.”

 

 

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Menu de 1962, impresso a dourado e em francês, iniciais dos noivos e bolo festivo «Gateau de Mariage».

 

Em Portugal não há uma receita única para bolos de casamento, como eu mais gosto de chamar. Desde massas de pão de ló a massa ricas com amêndoa encontramos uma grande variedade, com recheio e sem recheio. A grande maioria são cobertos com glace de açúcar, branco, e havendo recentemente muita imaginação. Analisando o aspeto artístico de bolos de noiva ou casamento quero realçar os trabalhos de Julie Deffense, verdadeiras obras de arte como podem ver através do link.

No livro Le Mémorial Historique et Géographique de la Patisserie, de PIERRE LACAM, 1900, encontramos a receita que terá sido utilizada para o casamento da Rainha Vitoria. Poderão consultar este livro na Biblioteca Gastronómica da ACPP em Lisboa. A receita é longa, e em francês, irei apenas apresentar os ingredientes e dois comentários finais: “uvas passas de Málaga, uvas passas de Esmirna (Turquia), uvas passas de Corinto, casca de laranja, cidrão, rum, água de flor de laranjeira, sumo e raspas de limão, manteiga, açúcar mascavado, ovos, amêndoas em pó, amêndoas cortadas grosseiramente, frutas, mel, farinha canela noz moscada, cravo da Índia em pó e fermento em pó… Este bolo custa entre 100 e 500 francos. É o mais rico de todos os países.”

O “Bolo de Noiva” foi objeto de uma dissertação de mestrado em Ciências Gastronómicas, na Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciência e Tecnologia, por Matusaila Aragão Macêdo, cuja tese tem o título “O Bolo de Casamento – A permanência simbólica e a imutabilidade formal do Bolo de Casamento”. Poderão ter acesso através do repositório da FCT. A mesma autora fez o doutoramento na Universidade de Coimbra e a tese foi "Percurso de um Património Alimentar Histórico e Cultural. A Massa do Bolo de Noiva do Estado do Pernanbuco no Brasil". Este texto foi um dos contributos para a classificação do Bolo de Noiva como património imaterial.

© Virgílio Nogueiro Gomes