Mais “à Portuguesa”

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Livro encadernado na Índia

Parece que continuo com a sorte de encontrar livros estrangeiros anteriores a 1900 e com receitas cuja denominação contém a identificação: “à Portuguesa”. Desta vez chegou-me um livro que tinha adquirido, curiosamente dia 10 de junho, que vinha da Índia, e que recebi dia 3 de novembro. Uma bela encadernação para um fac-simile de uma edição de 1822, a 4ª, da autoria de A T. Raimbault, pseudónimo de Charles-Yves Cousin d’Avallon (Avallon 1767-Paris 1839). Eu já suspeitava que poderia incluir alguma receita relacionada connosco país pois o revisor desta edição “com muito cuidado” foi executada pelo senhor Berel, intendente e Chefe de Cozinha de S. E. o Embaixador de Portugal, em Paris. Em 1822 reinava, em França, novamente Luis XVIII.

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Primeira página do livro

Charles-Yves Cousin nasceu em Avallon filho de uma família abastada. Com 21 anos vai para Paris tendo trabalhado como procurador no Châtelet e depois numa casa bancária. Com a revolução em Paris perde por duas vezes os empregos e procura soluções com trabalhos literários. Período difícil, mas começa a escrever e publica o primeiro livro em 1799. Continua a publicar até 1807, 25 livros, até ao curioso livro Gastronomiana, ou Recueil curieux et amusant d’anecdotes, bos mots, plaisanteries, maximes et réflexions gastronomiques, précédée d’une dissertation historique sur la science de la gueule et entremêlée de chansons et propos de tables propres à égayer la fin du repas, 1809. Publica mais cinco livros e, em 1811, publica a primeira edição de Le Parfait Cuisinier ou le Bréviaire des Gourmandes. Em 1816 publica o livro La Nouvelle cuisinière bourgoise, suivie de la Bonne ménagère de la ville et des champs, em 1822 publica a 4ª edição de Le Parfait cuisinier… que, agora, vos apresento. Em 1825 publica Nouveau Dictionnaire de cuisine, d’office et de pâtisserie, e, em 1836 publica o último livro de cozinha Le Cuisinier moderne, mis à la portée de tout le monde, ou Traité des substances alimentaires. Com tantos livros publicados é estranho não constar no livro Bibliographie Gastronomique de Georges Vicaire com 1ª edição em 1890 e seguinte em 1954. Também não consta no Livres en bouche – Cinq siècles d’art culinaire français da Bibliothèque nationale de France, 2001.

Vejamos as receitas sugeridas:

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Ovos à Portuguesa

Tradução simplificada:

Cozer vinte ovos; separar as gemas das claras; colocar as gemas num almofariz, juntar pão ralado molhado com leite e espremidas com um tecido; pisar tudo em conjunto e juntar manteiga, quatro gemas e duas claras, sal pimenta e noz moscada. Estando este recheio bem pisado não necessita de ser passado na peneira; colocar numa travessa e colocar os ovos (as claras cozidas) como se estivessem inteiros; polvilhar com pão ralado e levar ao forno até ficarem bem tostados. Se os quiser fritar, colocar os ovos inteiros antes de os panar.

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Pombos à Portuguesa

Tradução simplificada:

Cortar as patas e as asas a quatro ou cinco pombos, abrir a barriga, retirar o fígado e rebaixe-o com um rolo. Fazer uma marinada quente com um pouco de toucinho rapado; temperar com dois champignons, cebolas novas, tomilho, salsa e um pouco de noz moscada; levar ao fogo durante uns minutos; ter o cuidado de manter os pombos nesta marinada até ao momento que se colocarem no grelhador. Preparar tantas fatias de presunto quantos pombos tivermos; colocar os pombos na grelha com uma fatia de presunto sobre cada um, e ter cuidado, quando se viram, que o presunto fique sempre por cima. Quanto ao molho, uma colher de sopa de sumo, um pouco de manjericão, de tomilho, de salsa e uma chalota picadinha, cogumelos fatiados: deixar ferver uns minutos ao lume. Colocar os pombos numa travessa com a barriga para baixo; colocam-se as fatias de presunto por cima: rega-se com o molho, depois de espremer uma laranja e um limão, e serve-se.

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Macarons à Portuguesa

Receita simplificada:

São necessárias cinco onças de farinha de batata, doze claras de ovo, uma libra de amêndoas doces, e uma libra e um quarto de açúcar em pó. Pelam-se as amêndoas e pisam-se num almofariz. Batem-se as claras em castelo e junta-se às amêndoas e também o açúcar e a farinha. Bate-se tudo muito bem e colocam-se em formas, como o biscoito de Saboia, ou em caixas de papel como para biscoitos comuns, e vão cozer ao forno.

(Onça +- = 30g; Libra +- =489g)

*Estes macarons são anteriores a 1862, data em que surgem os biscoitos de dois pisos que posteriormente chamados de macarons parisienses, que são os modelos que atualmente são conhecidos. As primeiras receitas de “Macarons à Portuguesa” são de André Viard 1817, Machet 1817 e Favre 1894, publicadas no meu livro À Portuguesa: receitas em Livros Estrangeiros até 1900, Marcador, 2021.

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Bolos à Portuguesa

Tradução simplificada:

Passar pela peneira uma libra de açúcar e juntar uma libra de farinha; juntar uma libra de boa manteiga fresca, e mexer tudo até obter uma consistência de pão esmigalhado; juntar duas colheres de água de rosas, duas de vinho de Espanha e dez ovos. Bater bem com batedor de varas, e juntar dez onças de passas de coríntia, e mexer tudo muito bem. Barrar com manteiga as torteiras e encher até ao meio e levar ao forno.

*há várias receitas de “Bolos à Portuguesa” ou “Bolo Português” designadamente em Artusi, 1891, Viart, 1867, Dubois, 1864, todos apresentados no meu livro À Portuguesa: receitas em Livros Estrangeiros até 1900, Marcador, 2021.

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Lendo atentamente estas receitas, e outras do mesmo livro, parece-me que a sua redação não é de um profissional e, por isso, permiti-me fazer traduções simplificadas. Talvez por essa razão Charles-Yves Cousin d’Avallon tenha usado o pseudónimo Raimbult e, desta edição em especial, tenha pedido a ajuda de um chefe de cozinha.

Bom Apetite!

©Virgílio Nogueiro Gomes