A Gramática do Paladar
Na minha busca continuada de livros que me possam interessar, este A Gramática do Paladar surgiu-me quase por acaso. O seu autor Eduardo Campos, de nome completo Manuel Eduardo Pinheiro Campos (1923-2007) foi um ilustre escritor, jornalista, radialista e historiador do Ceará. “Foi presidente da Academia Cearense de Letras (1965 a 1974), da Academia Cearense de Retórica, da Comissão Cearense de Folclore, do Conselho Estadual de Cultura, além de fundador da Associação Cearense de Emissoras de Rádio e Televisão e seu primeiro presidente; secretário de Cultura em dois Governos do estado do Ceará; Diretor dos jornais Correio do Ceará e Unitário, Rádio Araripe e TV Ceará Canal 2”.
Publicou mais de setenta livros e a minha curiosidade começou quando, na minha chegada a Fortaleza este ano, me ofereçam o livro A Descoberta do Sabor Selvagem, de 2000, do mesmo autor. Quando li na sua biografia que também tinha escrito A Gramática do Paladar, 1996, não parei enquanto não o encontrei e passados 4 dias recebi no hotel um exemplar comprado, via net, num alfarrabista (sebo) de proximidade. Descobri ainda que tinha mais um livro, O Lugar da Cozinha, 2007, que adquiri da mesma forma e surpreendentemente mais rápido na entrega. Juntei assim os três livros do autor Eduardo Campos para ler no meu período de férias, a fugir do frio do inverno em Portugal. Apesar de não ser especialista desta área, Eduardo Campos, era muito bem informado de todas as atividades incluídas no “Folclore” capítulo onde está integrada a gastronomia ou alimentação tradicional.
Antes de começar a ler o livro, imaginei que seria uma escrita relacionada com as regras do paladar, das técnicas de confeção ou de qualquer outro capítulo alimentar, ou ainda uma relação de disciplina de comportamentos em relação à comida. Pensei também que, com aquele título, o que me esperava para não seria uma leitura maçuda.
Abro o livro e, depressa, percebi que seria uma leitura agradável só pelo índice. Para começar umas “Breves Explicações em Banho-Maria”. Pequenas explicações sobre o seu hábito, desde criança, de parar pela cozinha.
Depois o primeiro capítulo “O Natal, a Boa Mesa e os Anjos da Cozinha”, percebemos que o livro é também memorialista e tem uma mensagem emotiva das experiências do autor: “Pelos idos dos anos trinta, em Fortaleza, quando mal começados os dias primeiros de dezembro, já transitava dentro da casa a atmosfera diáfana do Natal; e perseveravam os bons odores, melhor dizendo, os deliciosos cheiros de cozinha azafamada a preparar o inventário longo e caprichado de essências e ervas, para que nada faltasse – nem cravo, nem gengibre, nem canela, nem gergelim ou noz moscada – a conferir inesperado perfume à quituteira da boa mesa dessa quadra de confraternização e paz.” Costumo dizer que não há coincidências. Eu a imaginar assunto para a crónica deste período natalício e eis que me surge este texto.
O autor continua desfilando as suas memórias lembrando que “já se faziam roscas de farinha de trigo, ou pãezinhos ligeiros…” e lembra da tradição de verificar do bolo “espetando um palito no meio do bolo abrasado”. “O primeiro lugar da casa, portanto, a se impregnar da aura (e responsabilidades) do Natal, era a cozinha.” Faz depois uma descrição de algumas refeições históricas lembrando a importância da sacralização do pão e do vinho, circunstância em que muitos referem como a “interpretação que pode significar a «teologia das coisas».”
Depois um elogio às fazedoras destas artes. “A boa dona de casa devia dominar as artes da mesa, que, em decodificação mais exata, significava sua sempre louvada intimidade com os utensílios de forno e fogão.”
Somos privilegiados quando afirma “via Portugal acabamos herdando a boa tradição cristã para o nosso exercício gastronómico. E neste trajeto, em que se deram muitas adaptações e transferência de hábitos e costumes, fomos somando conhecimentos medievais e renascentistas.”
Mais adiante cita a famosa frase de Mikhail Bakhtin confirmando que “tristeza e comida são incompatíveis”. E sobre as refeições do Natal, verdadeiros banquetes, “… não há como negar. O banquete – acrescenta – celebra sempre um momento de vitória.”
E com estas citações termino com a importância convivial de uma refeição. Se esse sentir de comunidade e alegria, a comida não saberá da mesma forma.
BOM ANO 2022
© Virgílio Nogueiro Gomes
(Este livro estará disponível para consulta a partir de abril de 2022 na Biblioteca Gastronómica da ACPP, rua Sant’Ana à Lapa, 71 em Lisboa)