MANZAPE

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Manzape à venda nas ruas do Centro de Fortaleza

Esta será, possivelmente, a última crónica do ano 2018. E intencionalmente a escrever sobre um doce popular, dito do interior ou rural, que não aparece facilmente nas listas de doçaria, mesmo regionais. Ora são muitos destes doces que pertencem ao passado do qual nos podemos orgulhar, para além de outra doçaria que é muitas vezes fruto da evolução das receitas. Nunca devemos esquecer que não há futuro sem passado. Quanto melhor soubermos executar de forma excelente as bases culinárias, melhor poderemos criar, ou fazer evoluir o seu receituário.

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Manzape em embalagem (folha de bananeira) individual

Nesta temporada em Fortaleza é a primeira crónica, e mais um doce popular para o qual tive o prazer de ser apresentado pelo meu bom amigo Gilmar de Carvalho. Com ele fui ao Centro e adquirimos o exemplar que se vê nas fotografias, numa banca pequena junto ao Museu do Ceará, confecionado em Cascavel na zona do litoral do Ceará. Esta banca é como uma ilha de venda de Manzape na capital do Estado. Quando questionei algumas pessoas para saber se sabiam o que era “manzape”, poucos sabiam. Alguns acrescentavam que era “pé de moleque”. Ora, como “pé de moleque”, surge com alguma frequência como um bolo do Nordeste. No município de Crateús, Ceará, encontrei uma receita de “bolo de manzape” idêntico ao nosso Manzape de Cascavel com o detalhe de ser embrulhado em folha de bananeira para cozer no forno.

 

 

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Manzape vendo-se a massa

O manzape é preparado fazendo uma massa com carimã (massa puba da mandioca), melaço de cana, farinha de castanha de caju, coco e erva doce. Tudo bem misturado até obter uma massa consistente e uniforme, depois envolvido em folha de bananeira para assar no forno a lenha. É vendido dessa forma conforme se pode ver na fotografia.

Curiosa é a definição de manzape que encontrei no “dicionarioinformal.com.br”: Bolo feito a base de farinha de mandioca, calda ou mel de rapadura e coco catolé, de origem provavelmente indígena, assado em forno envolvido na folha de bananeira, muito comum na zona norte do Ceará; espécie de pé-de-moleque rústico.

 

 

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Manzape desembrulhado

O bolo “pé de moleque” que terá surgido depois do manzape, e a massa é preparada com carimã, melaço ou rapadura, farinha de castanha e de caju, leite de coco e manteiga. Depois de pronta coloca-se em forma redonda ou retangular e vai cozer no forno.

Câmara Cascudo, no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, 1954, não contém o verbete manzape, mas tem o verbete de “pé de moleque” que descreve como: Tradicional bolo de mandioca, escuro, maciço, conhecido em todo o Brasil. Depois apresenta uma receita de “pé de moleque” à moda de Pernambuco e que também leva ovos e cravo da índia. Com uma citação de A. J. de Sampaio, 1944, refere que No Estado do Rio, é doce seco de açúcar, rapadura ou melado com fragmentos de amêndoas ou de amendoim.

Carlos Felipe, na sua obra O Grande Livro do Folclore, 2004, ao identificar os pratos identitários do Ceará cita o “pé de moleque”.

No livro Farinha de Mandioca, 2013, com organização de Raul Lody, é apresentado um conjunto de receitas nas quais está incluída a de “Pé de moleque”, Receitas das Regiões Norte e Nordeste, que é preparado como o Manzape embrulhado em folha de bananeira para ir cozer no forno.

 

 

 

 

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Bolo pé de moleque da Padaria Globo

Informaram-me que o melhor “pé de moleque” seria o da padaria Globo, na rua Padre Mororó 1155, Fortaleza, onde me desloquei para adquirir um bolo inteiro conforme se pode ver nas imagens. Esta padaria, símbolo de qualidade, foi fundada em 1930 por uma família portuguesa e continua com as novas gerações. O local fervilha em dia de Consoada. O bolo, muito agradável com sabor invulgar, tem decoração com castanha de caju, sugestão também dada por Câmara Cascudo. Boa escolha e, por certo, voltarei a esta padaria.

 

 

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Bolo pé de moleque

O caju é um emblema da identidade alimentar no Ceará. Já escrevi sobre outros dois produtos que mais me encantaram: Cajuína e Canjirão que poderão reler. Infelizmente a Portugal só chega a amêndoa de caju. A sua árvore, o cajueiro, é considerada a mais antiga árvore autóctone desta região. Para saber devem visitar o Museu do Caju.

No entanto, em todo o Brasil, o termo “pé de moleque” é conhecido, mas no Sul, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, é confecionado com amendoim e é um produto seco com o amendoim a ser ligado por uma massa seca de açúcar, ou rapadura.

 

 

 

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Pé de moleque do Sul, com amendoim, embalado

 

 

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Pé de moleque do Sul, com amendoim

 

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

 

 

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Fatia de Pé de Moleque

 

Recebi de uma amiga, a soprano Helena Carvalho Pereira, um comentário sobre “Pé de Moleque” que vou partilhar: Ouvi também dizer que o ‘Pé de Moleque’ tem o seu nome derivado aos miúdos roubarem o bolo, e as pessoas lhes dizerem que não precisavam roubar, apenas pedir, ou seja ‘Pede Moleque’ e com o tempo se vulgarizou em ‘Pé de Moleque’, mas como não aprofundei essa questão não posso dar certezas.