Cajuína

 

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A cajuína que costumo beber

A cajuína é, possivelmente, o produto da fruta caju mais interessante e pouco divulgado, e com pouca prática de consumo na região e, seguramente, com maior qualidade alimentar do que muitos refrigerantes que a globalização, e o marketing moderno, instalou. Estou a falar do Nordeste do Brasil e mais precisamente do Ceará.  De forma simples podemos dizer que a cajuína é um refrigerante natural e popular, sem gás, feito a partir de sumo de caju, e sem adição de açúcar.

 

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Cajus

Parece que a cajuína tenha tido origem no Piauí e que este estado continue a ser o seu principal produtor. Mas é no Ceará que o caju é emblema local e de grande visibilidade turística. Segundo Raúl Lody …o cajueiro é originário do litoral atlântico americano tropical… Alguns botânicos, ao estudarem a distribuição das espécies do género, circunscreveram a origem do cajueiro ao Norte e Nordeste do Brasil. Durante muito tempo, o cajueiro era a árvore que produzia refresco, bebida fermentada, aguardente e comida. Sobre a Cajuína escreve que … as melhores são aquelas sem conservantes, chamadas de cajuína natural. A forte presença de cajueiros justificou a minha visita ao Museu da Caju onde se podem observar as diferentes formas de utilização do caju.

 

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Representação no Museu do Caju

Gustavo Barroso (1888-1959) nas suas memórias, livro “Coração de Menino”, tem duas referências curiosas em relação ao cajueiro e, que no fundo, revela a importante presença desta árvore. No texto “O Cajueiro do Fagundes” escreve que na antiga Rua do Cajueiro, atualmente Rua Pedro Borges, no Centro de Fortaleza, …era ensombrada por um grande e belo cajueiro… que se cobria de flores e maturis. Ao pé do cajueiro, ficava a casa do Fagundes, que fornecia carne à população. Matava as rezes, esfolava-as e esquartejava-as à sombra do cajueiro, considerado por toda a gente como o seu açougue. Ora este cajueiro foi alvo de abatimento por uma ordem de despotismo da época e a população juntou-se impedido tal ato e foi reconhecido como uma vitória do povo. Ainda, e citando Gustavo Barroso, numa deslocação a Jurucutuoca, a cavalo, e no percurso escreve sobre …o frondoso cajueiral da Precabura, onde nos detemos à sombra do cajueiro que escreve, a árvore mais maravilhosa do mundo!

 

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Excelente cajuína a acompanhar bolos de milho e de mandioca, produção caseira em casa do saudoso Mestre Estrigas

Já Francisco Freire Alemão, na descrição da sua viagem de Fortaleza para o Crato, 1859, se referiu a um lugar com o nome de “Cajueiro do Ministro”, próximo de Cascavel, onde …havia um rancho antigo e em frente dele um vasto cajueiro. Quando os ouvidores ou ministros da justiça andavam em correição, o dono do sítio mandava preparar o rancho e limpar o cajueiro por baixo… e parecem o quanto os magistrados preferissem pousar em baixo do cajueiro, antes que no rancho, e quem sabe se mesmo aí não davam audiência? A importância da frondosa árvore e sabor da sua sombra!

Luis da Câmara Cascudo, grande inventariador da história da alimentação do Brasil tem um capítulo dedicado às Bebidas do Brasil começando por referir que os indígenas já produziam bebidas a partir de vários produtos vegetais e frutas e, entre elas o caju usando mesmo a expressão …Incontável o número de bebidas feitas com caju. No entanto nunca explica a cajuína e o texto faz referências às bebidas conseguidas a partir de frutas fermentadas como o foi inicialmente o “vinho de caju”. A versão da cajuína enquanto bebida não alcoólica não surge nem na História da Alimentação do Brasil” nem no “Dicionário do Folclore Brasileiro”.

 

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Cajuína do Museu do Caju

Mas não é de estranhar pois que não há um registo conhecido até da versão atual da cajuína enquanto refrigerante não alcoólico, nem tão pouco se o início é no Piauí ou no Ceará. Certo que a canção de Caetano Veloso, numa clara homenagem ao seu amigo e poeta Torquato Neto (1942-1970), veio acalentar e instalar mais a ideia de que o Piauí é o estado de nascimento da cajuína, quando canta A cajuína cristalina em Teresina.

 

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Cajuína artesanal produzida próximo da lagoa Redonda e providenciada pela minha amiga Fátima Façanha

Em Fortaleza consta que o grande iniciador da cajuína, ainda batizada de vinho de caju, foi o farmacêutico Rodolfo Teófilo (1853-1932) ilustre homem letras e preocupado com questões sociais. Parece que, não apreciando bebidas alcoólicas, ou enfatizando o quanto elas são nefastas para a saúde, iniciou o engarrafamento (que se pode ver na foto) de vinho de Caju sem fermentação da fruta. Possivelmente só mais tarde se lhe atribui a denominação de cajuína para diferenciar do vinho que continha álcool, e que se continua a produzir. No recente instalado Museu da Indústria em Fortaleza, frente ao Passeio Público recolhi algumas informações e sugiro uma visita ao local.

 

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Imagem do Museu da Indústria

Mais informações recolhi junto do meu amigo Gilmar de Carvalho, verdadeira enciclopédia viva da Cultura do Ceará, direi mesmo do Brasil, que com a gentileza que lhe é habitual me enviou um texto em prosa delicada, quase poética, sobre a manufatura de cajuína de forma artesanal em Beberibe, a propósito de Dona Maria Zéa Queiroz Ferreira ter sido reconhecida como Mestre da Cultura. E o texto começa assim: As chuvas do caju deixam os pedúnculos sumarentos e maduros. E quando é tempo dos cajus (do tupi aka’yu), dourados ou vermelhos, dulcíssimos ou azedos, é a vez da cajuína, bebida translúcida feita, geralmente, no litoral. Todo o processo era manuseado e de forma artesanal. No entanto separa os dois processos: Com o caju farto, o mocororó, feito com o fruto amargo, de alto teor alcoólico, foi e continua sendo utilizado no toré e em outras danças rituais. A cajuína é mais sofisticada, envolve procedimentos cuidadosos, paciência, em que o cozido substitui o cru, no dizer de antropólogos famosos. Era chamado de “vinho de caju”, ainda que não tivesse teor alcoólico e sua decantação era feita a partir da resina do próprio caju…. É preciso beber uma cajuína de verdade, para saber como a cultura transforma a natureza em delícias e a importância de uma tradição que se atualiza… mas não se perde. Na descrição do processo que se inicia na colheita dos cajus… Eles são maduros e doces. Os mais amargos servem para fazer doces… Os cajus são lavados no suco dos próprios cajus… Não pode entrar uma gota de água natural… senão toda a preparação da cajuína se compromete e não dá certo… Depois vão para a prensa de madeira, porque o contacto da fruta com o metal faz com que fique escuro.

 

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Rótulo

O líquido obtido com a prensa é depois alvo de um processo de clarificação e filtragem até obter um líquido límpido e transparente. Depois de engarrafado passa por um processo de pasteurização que garante a perenidade do líquido por mais dois anos.

A Produção Tradicional e Práticas Socioculturais Associadas à Cajuína no Piauí foi inscrita no Livros dos Saberes do IPHAN em maio de 2014 e assim considerada como património imaterial. Agradeço à Patrícia Xavier a disponibilidade e documentação facilitada.

Resumindo podemos dizer que a cajuína é uma bebida fruto do sumo integral do caju não fermentado que posteriormente é submetido a processos de clarificação e filtragem, tratado termicamente e sem adição de água, açúcar e conservantes. Muito saudável e rica em vitamina C.

De fazer inveja a tantos refrigerantes modernos…!

© Virgílio Nogueiro Gomes