Maracatus 2015

 

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Estandarte do Maracatu Vozes da África

Se alguns duvidavam da origem religiosa da maracatu, depois do desfile deste ano em Fortaleza, as dúvidas naturalmente dissipavam-se. E basta ver com atenção o desfile do Maracatu Vozes da África e verificar como a própria religião católica se incorpora desde a apresentação de Senhora Aparecida (1717) e de negritude pouco esclarecida, Frei Damião (1898-1997), em processo de beatificação desde 2003 e até à ala de anjos que, para mim, lamentavelmente só havia brancos. Sim porque o maracatu é o resultado da aproximação e miscigenação dos povos e das suas crenças e religiões, de brancos, negros, índios e seus sucessores. Se o Deus é o mesmo porque não há anjos negros? A presença da figura mítica e mística da Calunga, é o princípio espiritual do maracatu. Podem ler um pouco mais sobre Calunga clicando aqui.

 

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Destaque de Índio/ Vozes da África

O maracatu tem evoluído e sofrendo alterações, até na mentalidade das pessoas. Vai muita distância no que escreveu Gustavo Barroso (1880-1959) nas suas memórias revelando o medo que sentia do maracatu, para a recente opinião de Tércia Montenegro no seu livro «Dicionário Amoroso de Fortaleza», 2014, que descreve assim o maracatu: O coração cearense bate assim, com percussão de ganzas, bumbos, chocalhos e triângulos. Nosso corpo às vezes tem um movimento largo de idas e vindas, braços abertos avantajados, lentos, como quem faz um ensaio de enlaçar – meia-lua de gesto, cabeça baixa em reverência ao ritmo que escapa, brota da terra. … Até hoje eu largo tudo. Se ouço esse ritmo cadenciado. Deixo-me parar observando a força dos ancestrais pela rua, o cortejo que passa com faíscas e trovões desmanchados…. A toada do maracatu vai no compasso do vento que balança as palmeiras, na velocidade da rede em balanço. É por isso que essas loas têm um afeto irresistível no Ceará.

 

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Frei Damião / Vozes da África

Mas para além da força religiosa da maracatu, Gilmar de Carvalho escreveu: As discussões recaem, hoje, sobre esse orgulho da herança africana. No Ceará, ela se presentifica principalmente no maracatu, …O maracatu que desfilava pelas ruas de Fortaleza, conforme o registo de vários cronistas, deve ter ficado enclausurado (é a tese que defendo) por conta do autoritarismo das elites, que não suportavam os cultos africanos ou afro-brasileiros, até os anos 1950, de acordo com estudos do antropólogo Ismael Pordeus Jr.. E reforça essa visão da intensidade religiosa que eu também encontro, na seguinte frase: O maracatu carnavalesco pode ser visto como uma estratégia de despiste para uma manifestação que é religiosa, antes de tudo.

 

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Negra com Calunga / Vozes da África

Outro grande autor e homem da cultura é Descartes Gadelha que escreveu: Este reflorescimento místico religioso foi regado por missionários Yalorixás e Babalaôs maranhenses e baianos que aqui se instalaram a fim de resgatar o negro e sua cultura religiosa. Também Alex Ratts, antropólogo, geógrafo e ativista, da Universidade Federal de Goiás, escreveu: Cabe destacar que há vários maracatus em Fortaleza, alguns referidos desde o final do século XIX, e que também há alguns afoxés criados nos últimos anos. Ambas as expressões culturais têm ligações com as religiões de matriz africana.

 

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Balaieiro / Nação Fortaleza

A utilização destes autores neste texto, mais não é do que confirmar o princípio da religiosidade de origem africana e com apresentação das variantes novas, necessidade social que encontrou no sincretismo das divindades, orixás, em santos da Igreja Católica. Há nove anos consecutivos que vejo o desfile de maracatus tendo integrado o Maracatu Rei de Paus durante três anos. E tenho vindo a estudar a origem e evolução do Maracatu no Ceará, a partir de um estudo importante publicado por Calé Alencar e editado pelo Bano do Nordeste em 2008. E continuo a estudar buscando com regularidade mais fontes. Com a consciência de pensar que ainda sei pouco, todos os anos aprendo mais. E por isso já me parece poder emitir opinião sobre a evolução recente dos maracatus. Brevemente editarei textos, durante o corrente ano, sobre detalhes dos desfiles de maracatu. Eu gostaria que não se associasse o maracatu apenas à simples manifestação carnavalesca.

 

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Festa do Boi Cearense /Mestre Pio / Nação Fortaleza

Reconheço que os maracatus têm evoluído significativamente em relação à sua apresentação. As fantasias mais luxuosas, exuberância do colorido, alas maiores e cuidadas. De facto, o desfile de maracatus em Fortaleza tem todos os ingredientes para se desenvolver em grande espetáculo do cartaz de Fortaleza e, por isso, criar novos atrativos para a cidade durante o Carnaval. A matéria de exibição, e seus elementos, está aí. O principal, e fundamental, já existe e com qualidade. Ajustamentos na produção do evento poderão ser melhorados não sendo, obrigatoriamente, necessário gastar mais dinheiro. A matéria da gestão das artes é compatível com o tempo atual. Eu continuarei a assistir aos desfiles e a dar o meu contributo para a sua divulgação.

 

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Calé Alencar cantando a loa /Nação Fortaleza

Agora um capítulo mais delicado, e que não tem a ver com a organização do desfile, é a oferta gastronómica em volta da avenida Domingos Olímpio nesta ocasião. Há uma preocupação generalizada em encontrar e valorizar os elementos que identificam uma região e o mais fácil é, seguramente, a alimentação. Muitos países identificaram já uma fórmula simples através da comida de rua (street food). Mantenho o que já escrevi anteriormente sobre o que se passa aqui. O que havia de nordestino? Por que não criar um programa de incentivo à apresentação de comida nordestina? Melhor seria comida cearense! A grande euforia deste ano era, na proximidade, um cachorro quente / dose dupla (verdadeiro cai duro em dose dupla), bem embalado e que até forneciam luvas descartáveis para não sujar as mãos dada a forma de labreguice que é necessário usar para comer até ao final. E o negócio parece correr bem!

 

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Yemanjá / Nação Fortaleza

 

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Rainha e Rei / Nação PICI

 

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Mulher com incenso / Nação PICI

 

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Oxalá / Nação PICI

 

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Estandarte Maracatu Nação PICI

© Virgílio Nogueiro Gomes

Os maracatus apresentados são os três primeiros classificados este ano