Redenção 2015

 

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Obelisco em Redenção sobre a Abolição

Com início de ano muito tranquilo, e longe de multidões, dei-me de presente de ano novo uma visita a Redenção, a terceira, para assistir a um programa cultural que incluía a apresentação do grupo Afoxé Oxum Odolá e o Maracatu Rei do Congo.

Redenção tem todos os ingredientes para ser um local de estudo sobre a escravatura, parte da história do Brasil, e fenómeno que possivelmente mais influenciou socialmente e politicamente a história deste país que é um continente. Ainda conheci o Museu da Prefeitura e Biblioteca no largo da Igreja Matriz, local onde se encontram outros símbolos associados à abolição da escravatura. Este largo parece o centro da cidade. Pois passados dois anos em lugar do museu e da biblioteca está um banco! O museu foi transferido para uma casa pequena e sem condições museológicas, em local de menor visibilidade, e a biblioteca para uma moradia onde livros se acumulam e de difícil acesso. Texto sobre Redenção está publicado no meu livro «Doces da nossa Vida», 2014 editora Marcador.

 

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Helder Moniz e Pai Wagner

Como escrevi anteriormente Redenção com toda a carga histórica por ser o primeiro local onde foram libertos todos os escravos, no Engenho Livramento, a 1 de janeiro de 1883. A famosa Lei da Abolição é mais tardia e assinada a 13 de maio de 1888. As instalações do Engenho Livramento estão abertas a visitação, e também tem um museu e ainda, muito bem preservada, a “senzala”, local destinado à vida dos escravos. Continuo a não entender porque não haverá uma manifestação cultural, pelo menos anual, que estude as questões da escravatura e sua abolição. Redenção deveria estar obrigatoriamente no mapa da cultura do Brasil! A apresentação de manifestações de origem religiosa, e oriundas da miscigenação com a cultura africana, não devem ser marginalizadas. Aliás, em relação a religiões, costumo afirmar que não se podem categorizar as religiões e muito menos classificá-las. As religiões deverão ter acesso por questões de fé individual e a partilha e a convivência em tolerância deveriam ser uma aposta. Quase me apetece afirmar que a força mental, dos negros, para resistirem a tanto sofrimento infligido pela escravatura, é que lhes terá dado coragem para viver. O apoio espiritual valeu-lhes para a sobrevivência.

 

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Estandarte do Afoxé Oxum Odolá

Comecei o ano indo a Redenção para assistir a um espetáculo de rua com ascendência na cultura afro-brasileira. Um afoxé, é genericamente uma festa de rua de um candomblé e canta muitas vezes em língua iorubá. O maracatu, é outra festa com características diferentes mas que apresenta rituais da cultura africana no Brasil e a integração dos nativos. E já não são os maracatus que tanto medo infligia a Gustavo Barroso (1888-1959) quando era criança.

O «Afoxé Oxum Odolá» é dedicado a Oxum, orixá sobre o qual já escrevi e que poderão ler clicando aqui. Vários orixás têm vertentes ou idades diferentes e assumem nova designação. Oxum, orixás das águas doces, também símbolo da fertilidade feminina, e do ouro, Odolá representa a vertente mais “coquete”. Segundo Pierre Verger (1902-1996), na sua obra Lendas Africanas dos Orixás, descreve Oxum como “muito bonita, dengosa e vaidosa,… tinha grande paixão por joias de cobre… reputação de boa mãe e atender as súplicas das mulheres que desejam ter filhos… Alguns dias, suas águas correm aprazíveis e calmas, elas deslizam com graça, frescas e límpidas, …Outras vezes, suas águas tumultuadas passam estrondando, cheias de correntezas e torvelinhos…”. Mas o importante é a dedicação aos Orixás, que poderá também significar uma devoção às forças da natureza. Para essa vertente eu quis dedicar o meu primeiro dia do ano.

 

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O grupo em atuação

O espetáculo do Afoxé Oxum Odolá, regido pelo Pai Wagner de Oxum Lodê, foi um espetáculo musical invocando vários Orixás com uma incidência especial a Oxum pois o afoxé lhe é dedicado. Por isso assistimos a uma dança de Oxum executada magistralmente por Maurilene. Cada orixá tem a sua forma especial de dançar como tem os seus alimentos oferecidos. Possivelmente esta tradição africana de conversar com as entidades superiores oferecendo-lhes comida levou outras religiões a fazer semelhante. A comida predileta de Oxum é o Omolokum, feito com feijão fradinho cozido, refogado de cebola ralada, pó de camarão de fumado, sal e óleo de dendê. Enfeita-se com camarão inteiro e ovos cozidos com casca.

Nas toadas deste dia foram invocados os seguintes orixás:

 

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Exu (é por vezes associado às potências contrárias ao homem, por vezes assimilado ao demónio, mas respeitado pelos seus crentes que antes de iniciar algum trabalho lhes dedicam atenção para que ele não perturbe)

 

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Oxum

 

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Orunmilá (associado à criação e capacidade de adivinhação, pode ser representado pelos búzios)

 

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Iansã (representa os ventos e as tempestades)

 

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Iemanjá (possivelmente o orixá mais conhecido e mais prestigiado no Brasil, é a representação das águas do mar)

 

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Oxossi (representa as florestas e a caça)

 

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Ogum (representa o ferro e a guerra, as lutas, os embates e as vias de facto)

 

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Xangô (representa o fogo e é um dos orixás mais populares e prestigioso)

Depois do espetáculo do Afoxé Oxum Odolá, surgiu na praça, após desfilar pelo centro de Redenção, o Maracatu Rei do Congo que apresentou a cerimónia da coroação da Rainha, ponto alto de qualquer desfile de maracatu, e que já descrevi em outra crónica.

 

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Estandarte do Maracatu Rei do Congo

 

Aos grupos apresentados foi servido um lanche no qual tive a oportunidade de participar. Para repasto havia uma “torta” de frango e um bolo com cobertura de chocolate. Ambos estavam bons mas um momento de reflexão apetece-me fazer. Por torta entendemos em Portugal um bolo enrolado e recheado de doces ou ovos-moles. Seguramente as primeiras tortas que se teriam feito no Brasil seriam de mãos portuguesas e o que corresponde à tortas em Portugal são “rocambole” e o “bolo de rolo”, sobre os quais já escrevi também. Mas no Brasil torta também pode significar um bolo redondo que não sento “tarte” é habitualmente recheado e coberto. Importante, noutras paragens que não em Portugal onde continuo a defender a designação tradicional, o que importa mesmo é que o produto seja bom. E era.

 

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A Torta

 

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O Bolo

BOM ANO 2015

© Virgílio Nogueiro Gomes