A Última Ceia
Última Ceia de Leonardo da Vinci
Fui convidado, recentemente, para participar num programa do canal História sobre a Última Ceia. O que parecia fácil transformou-se numa tarefa complexa. Interpretar os textos bíblicos não é tarefa que se deva levar de ânimo leve. E especialmente quando se presente ser isento em questões relacionadas com as convicções e com a fé. Depois de estudar cuidadosamente os Evangelhos de S. Mateus, S. Marcos e S. Lucas, e ainda a Epístola ao Coríntios, fiquei ainda mais perplexo. As citações em relação aos produtos alimentares são muito escassas, e para além do pão e vinho, apenas o cordeiro surge como elemento fundamental da celebração do judeus mas não referido especificamente como constituindo parte da Última Ceia. Há, no entanto, no Evangelho de S. Mateus uma citação de Jesus que diz que foi atraiçoado por”…aquele que molhou o pão juntamente comigo…” que nos leva a pensar que haveria um molho que, possivelmente, seria o da preparação do cordeiro. A mesma citação surge no Evangelho de S. Marcos. Certo é que havia uma tradição dos judeus de celebrarem a Páscoa com uma Ceia. Era um período de sete dias que se iniciava com a tradição dos pães sem fermento. S. Lucas dá-nos as palavras de Jesus que desejou “…ardentemente convosco esta Páscoa, antes de morrer. Pois afirmo-vos que não voltarei a comê-la até que ela receba o seu significado completo no Reino de Deus.” Para além destas informações, a consulta obrigatória de fontes pictóricas revelou-se ainda mais despojada do que os textos apesar de apresentarem, alguns, a representação de peixes talvez por que o peixe era um símbolo de reconhecimento no encontro de cristãos durante as perseguições romanas.
Última Ceia de Teófanes, de Creta
Importantes na Última Ceia são os simbolismos dos produtos pão e vinho, e todo o conceito de refeição associado à partilha, o momento de traição, e de partida com a esperança do Além. Em toda a Bíblia os elementos alimentares são alvos de referência e muitas vezes para a criação de parábolas de mensagem. Da linguagem alimentar do quotidiano é mais simples passar à linguagem intemporal e do espírito. Por outro lado os alimentos sempre fizeram parte de doações ou entregas a Deus ou aos Deuses. Esta prática é usada em várias religiões e em particular nas africanas e afro-brasileiras. As oferendas de alimentos são uma das fórmulas de comunicar com as entidades sobrenaturais.
E a propósito apetece-me transcrever parte de um texto do Padre José Tolentino de Mendonça, no livro A Bíblia contada pelos Sabores, no qual afirma: “A mesa é uma espécie de fronteira simbólica que testemunha, para lá das diferenças, uma possibilidade de comunhão.” E ainda: “A mesa e a refeição tornam-se por excelência o sítio da universalidade e da utopia cristãs.” Continuando com o mesmo autor: “As refeições são para Jesus sobretudo atos performativos, onde ele explica o seu projeto, colocando os que não podem estar juntos à volta da mesma mesa, preparando uma refeição igualitária para a multidão díspar de homens e mulheres.” Assim a Última Ceia é por excelência um ato com várias mensagens e carregada de simbolismos, na qual os alimentos ou a composição da refeição funcionam como instrumentos para uma fórmula mais espiritual.
Nesta perspetiva, o canal História quis também desafiar dois chefes de cozinha contemporânea para criar uma ceia inspirada na Última Ceia de Jesus Cristo. Hoje vou apresentar-vos a proposta de Miguel Laffan, com mensagem escolhidas da Bíblia, do extraordinário restaurante L’ AND em Montemor:
Pão ázimo e azeite
A Comunhão: “Tomai todos e bebei: este é o cálice do Meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança que será derramado por vós e por muitos, para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de Mim.”
Salada de ervas campestres com vinagrete de iogurte
A Traição: ”Judas, com um beijo Me trais?”
Salmonetes corados em azeite com açorda migada de pão alentejano e bivalves em calda de caldeirada de choco
O Perdão: “Pai, Perdoai-os porque eles não sabem o que fazem.”
Carré de borrego do campo assado, creme de batata-doce de Aljezur, jardim de legumes crocantes da época, molho de coentros
A Redenção: “Cordeiro de Deus, que tirais o Pecado do Mundo, dai-nos a paz.”
Crocante de mel, salada de frutos secos e romã com gelado de figo
O Amor Incondicional: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.”
Mignardises para acompanhar o café, agora com o sentido do pecado da boa Gula
Para acompanhar a refeição bebemos vinho Tinto L’ and Reserve 2010
Chefe Miguel Laffan
O restaurante L’ AND é um local de eleição privilegiado, obteve 1 estrela Michelin em 2013. Tem serviço à carta e menu degustação com absoluto rigor culinário. De realçar a qualidade do serviço de mesa.
Bom apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes
L’ AND vineyards
Herdade das Valadas
Estrada Nacional 4
7050 Montemor-o-Novo
Telefone 213 304 544 www.l-and.com