Romã

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Sempre foi uma das frutas que mais me fascinou. Pelo seu aspeto exterior fechado, uma espécie de coroa em oposição à ligação ao trono de produção, e depois o interior com o fascínio da cor, os grãos delicados e unidos e a aparente dificuldade de os separar. E a coroa parece denunciar o seu estatuto de nobreza, com a certeza de virar rainha. Como já expliquei em crónica anterior sobre frutas, só há pouco tempo aprendi um método de limpar a romã e depois, tranquilamente, comer à colherada. A romã é uma fruta de outono, e parece querer anunciar o inverno, guardando um sol no seu interior que é a cor viva dos seus grãos.

Mas é das suas origens mitológicas que a romã mais se notabilizou, com a sua famosa simbologia de fertilidade. Com a era Cristã, a romã, torna-se como uma alegoria da Igreja pois que esta acolhe no seu interior muitos fiéis, assim como a romã envolve os seus grãos. Escritores da época dão-lhe diferentes origens. Para Clemente de Alexandria a romã terá nascido do sangue de Dionísio. Por outro lado, para Arnobre, a explicação é muito diferente com origens na mitologia grega. Quando Deucalião e Pirra, após o Dilúvio, e no sentido de repovoar a terra, lançavam pedras sem perceber onde todas caíam, e aconteceram surpresas. Entretanto, Júpiter aproximou-se de Têmis enquanto esta dormia, para se juntar a ela. Mas, ironia do destino, uma das pedras atinge a deusa, que corda com a pedrada e repulsa Júpiter. Do atrevimento seminal de Júpiter sobre Têmis, nasceu Acdestis um jovem deus com caráter violento e luxurioso, que foi confiado aos cuidados de Baco. O seu percetor liga-lhe os os pés ao órgãos genitais. Quando despertou, e ao tentar libertar-se e andar, os seus órgãos jorravam sangue do qual nasceram as romãs…! A ninfa Nana recolhe uma romã que a fecunda e depois dá nascimento a Átis, também símbolo de fertilidade.

Bem, depois desta viagem pela mitologia a explicar a origem da romã, voltemos à importância que a romã sempre desempenhou na simbologia da Igreja e dos Povos. Desde o mundo antigo que a romã é uma símbolo de fertilidade demonstrada pela profusão de grãos que enferma. Talvez por isso vamos encontrar uma pintura extraordinária de Cornelis de Vos, no “Retrato de Família”, 1630, apresentando a mãe com uma romã na mão direita e à sua volta os seus nove filhos.

Segundo Raban Maur, a “romã é um símbolo da Igreja, quer dizer, a instituição constituída pelos fiéis juntos por uma só e mesma fé.” A romã encerra todos os seus grão envoltos na mesma casca. Também Moisés parece ter afirmado: "Comam romã para se livrarem da inveja e do ódio." A importância da ocupação árabe no sul de Espanha foi tão importante, tendo plantado muitas romãzeiras, que lhe atribuíram o nome a uma cidade, Granada, nome que significa romã em espanhol e termo parecido em França que é chamada de "grenade".

Mas a romã é também um símbolo do sangue de Cristo e dos Mártires, e é fácil de fazer a comparação com a intensa cor dos seus grãos e tão números quantas as virtudes de as boas obras dos homens da cristandade. Ainda para Filippo Picinelli, a romã representa o segredo escondido pela sua proteção, assim como o prazer do amor que tanto é doce como amargo em simultâneo…! Em Roma, da época áurea, a romã marcava sempre presença em cerimónias e nos cultos pois simbolizava a ordem, a riqueza e a fecundidade. Na Renascença a romã era elemento sempre presente nas grandes pinturas de naturezas mortas. Os judeus consideram a romã como um símbolo importante nos rituais do ano novo, pela esperança de que no ano que chega será melhor que o anterior.

Ainda nos nossos dias há a crença popular, especialmente no Mediterrâneo oriental, que levando 3 sementes, de romã, na carteira “dinheiro nunca há de faltar”.

Na alimentação temos uma presença muito discreta da romã. Hoje em dia vai aparecendo mais em saladas mas não conhecemos receituário com a sua inclusão. Na Turquia tive o grande prazer de comer os seus grãos às colheradas. Pelo menos, pelo seu efeito estético parece-me que deveria tirar mais partido desta fruta. Acrescentando que parece reconhecerem-lhes qualidades antioxidantes e assim atrasar o envelhecimento. Os gregos ainda a consideram ainda como afrodisíaca. Talvez por isso a sua árvore foi consagrada a Afrodite, deusa do amor.

A Espanha é um dos principais produtores de romãs, seguida da Turquia e da Tunísia. Produz-se ainda em França, Malta, Itália e Brasil.

O meu avô materno também tinha romãzeiras, e foi aí que eu aprendi a comer e gostar. As romãs das fotos foram oferecidas pela minha boa amiga Maria Fernanda Céu, que sabendo do meu entusiasmo por romãs, me agraciou com um grande cesto. Aqui fica o desafio para um maior consumo de romãs e também um desafio para criar um receituário que as incluam. E a nossa saúde agradecerá.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Novembro 2011

Do meu amigo António Cordeiro recebi uma adivinha popular que não resisto a transcrever:

"De Roma me veio o nome

e já coroada nasci,

de mil filhinhos que tive

todos de encarnado vesti."

 

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