Do nome à prática

Cá volto eu, uma vez mais, com a indignação de chamarem um prato por uma designação tradicional e depois servirem algo parecido. Muitas vezes nem se acautelam em garantir o que é a essência desse prato/ receita, ou saber porque se chama assim.

Costumo reagir, especialmente quando sou confrontado com o prato, é sempre uma opção delicada. Se é um local ao qual não penso regressar, faço o papel do cliente simpático que não reclama, mas que não volta. E isto parece-me a maior penalização que um restaurante pode sofrer. Se tenho hipóteses de conversar, ou quando observo que a brigada pode entender, questiono e explico a minha opinião, mas voltarei. Poder dar a minha opinião, poder parecer inconveniente, é para assegurar-me poder voltar. E, fidelizar a clientela deveria ser um objetivo permanente de todos os restaurantes.

Recentemente, em refeição de viagem aérea, foi-me servido algo inexplicável. Eu sei que as refeições nos aviões poderão não servir de referência. Mas não é necessário serão tão más! Seria preferível mais simples mas com mais qualidade. Chegado o meu tabuleiro, tendo optado pela sugestão peixe, tinha uma entrada que não percebendo bem o que era, perguntei e respondeu o comissário de bordo: “isso é foie gras”. Pensei que estava a gozar comigo…! Decidi experimentar e o que estava na taça era fígado cozinhado em pedaços, rijo e sem graça. Acompanhava com batata nova. Depois do primeiro pedaço pus de lado. O meu vizinho do lado tentou mastigar e, delicadamente, repôs o que tinha na boca, e perguntava-me o que era aquilo, mas fosse o que fosse estava intragável. Depois lá comi o peixe, cação, que também era acompanhado por batata. Para sobremesa uma creme a saber pouco, e a pouco. No final voltei a perguntar o que era aquela entrada. Foi-me repetido que na ementa está escrito “foie gras” mas que evidentemente não o era.

 

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(Iscas de fígado da Taberna da Rua das Flores, em excelente execução)

Pensará a TAP, ou o seu fornecedor de refeições, que os passageiros são idiotas? Que desconhecem o que é comer? Quando o nome está errado, mas o que comemos é bom, até se perdoa um pouco. O comissário de bordo confirmou-me que todos os passageiros reclamaram e não comeram. Será que houve consequências? A reclamação a bordo, raramente tem soluções. E, lamentavelmente, desta vez não fotografei.

Não vou escrever muito sobre o fenómeno do carpaccio. Mas quando pretendem servir um suposto tradicional, aí reclamo. Deixo a oportunidade de lerem o que escrevi sobre o assunto. Já me rendi ao facto de carpaccio ser assumido como uma técnica de corte de alimentos vários, crus ou cozinhados.

 

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(Carpaccio em variação)

Aqueles que me conhecem melhor, sabem que a minha receita de contestação é a do «Bacalhau Espiritual». Não há semana que não tropece numa proposta de bacalhau espiritual. Por vezes, o que me servem, é uma boa proposta de um empadão de bacalhau onde tudo entra, desde a batata, excesso de pão, e até espinafres. Tudo o que poderia ser um bom empadão, mas um mau bacalhau espiritual. Muitas vezes os confecionadores não têm consciência do erro, aprenderam assim. Mas também nunca se preocuparam sobre a origem da receita. É tudo muito rápido…! Já dei várias vezes a receita original e podem reler clicando aqui. Publicam-se tantos livros de receitas nos quais muitas vezes apenas se altera ligeiramente a redação, ou variam alguns produtos.

 

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(Bacalhau espiritual do local onde nasceu, Cozinha Velha, Queluz)

Uma das receitas adulteradas que mais me surpreendeu foi um «Bacalhau à Zé do Pipo», ao qual se substitui a maionese por claras em castelo. Sobre esta receita fantasmagórica também já escrevi e não vou alongar-me. Mas o elemento que dá a designação ao parto foi aquele eliminado e substituído. Que reação terá um cliente que conhece a receita, e lhe servem com a alteração? Se o cliente devolver o prato, o que lhe acontece? Enquanto consumidores, deixo-vos a refletir… O prato só é à “Zé do Pipo” se a posta de bacalhau for coberta com maionese e depois vai ao forno.

Ainda sobre o bacalhau. Comi recentemente um “Bacalhau à Gomes de Sá” que tinha lá todos os ingredientes. Só que de qualidade discutível, a apresentação sofrível e a confeção a evidenciar uns desvios. Vejamos: as batatas eram novas e deveriam ter sido cortadas às rodelas, e desfaziam-se; o bacalhau deveria ser tirado em lascas, e não em pedaços amorfos, e não parecia ter estado em depósito em leite; as azeitonas devem ser pretas e não verdes sendo que aqui ainda tinham um agravante de serem de conserva e descaroçadas, guardando o gosto da conserva; o recipiente em que vai ao forno deve servir à mesa até para sentir a generosidade do azeite; vinha guarnecido com croutons que não valorizam em nada a receita; e para terminar deveria ter um raminho de salsa que não foi o caso. Ora todas estas questões poderão fazer de um incorreto restaurante num restaurante de sucesso.

 

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(Eis o Bacalhau à Gomes de Sá que me foi servido)

Infelizmente tenho um rol de grande dimensão com outros exemplos. Limito-me apenas a pedir que consultem as boas referências da cozinha portuguesa e quando pretenderem fazer alterações aos pratos tradicionais lhe chamem outro nome. Ou apenas digam a iguaria principal, a forma de confeção e os acompanhamentos, prática que aprendemos com a Nova Cozinha a partir dos anos 70.

Um apelo pelo vigor das designações culinárias. Viva a Cozinha Portuguesa com os seus Vinhos a acompanhar.

© Virgílio Nogueiro Gomes