A Última Ceia 2

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Altar Mor da Igreja da Penha Longa

 

Conforme escrevi na crónica anterior, o Canal História fez um programa sobre a Última Ceia e desafiou dois chefes de cozinha para recriarem uma refeição inspirada nos escritos ou memórias da Última Ceia de Cristo. Ficou bem claro que nos registos, designadamente nos Evangelhos de S. Mateus, S. Marcos e S. Lucas, e Epístola aos Coríntios, apenas surgem expressamente o pão ázimo e o vinho e ainda referência que na festa da Páscoa se comia cordeiro. Todas as representações iconográficas, que são todas tardias em relação ao facto, ficam também pelo pão e vinho e discretamente um peixe e ainda um prato fundo onde se pode ver Judas a molhar o pão para a traição: “… aquele que molhou o pão no pão no prato juntamente comigo…” Faz, portanto, imaginar que haveria um prato com molho. Seria de cordeiro?

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Cúpula renascentista da Igreja

O que os dois chefes de cozinha fizeram não foi reproduzir a Última Ceia, mas uma refeição especial inspirada na Bíblia.

Desta vez fui experimentar a refeição do chefe João Alves do Hotel da Penha Longa, Sintra. A refeição foi servida no restaurante il Mercato. O Penha Longa oferece outros locais de restaurantes como o Arola, o Midori e o B Lounge. As minhas experiências foram sempre bem-sucedidas, e a merecerem aplausos.

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Claustro do Mosteiro

Mas a Penha Longa é um lugar com história. As marcas são bem evidentes no edifício do seu convento que, sendo possível, deveria ser visitável. Pois a sua história começa em 1355 quando Frei Vasco Martins decide fundar um ermitério no lugar da Penha Longa. Mais tarde, em 1373, o Papa Gregório XI emite uma bula que autoriza a Ordem de São Jerónimo em Portugal independente da Província espanhola. Com o crescimento de membros ermitas, sentiram a necessidade de alargar as suas instalações e D. João I, a quem pediram ajuda, decide financiar a compra e doação da Quinta da Penha Longa que já dispunha de vinhas, de pomares e de matas para se instalarem com um mosteiro. Em 1400, o Papa Bonifácio IX autorizou através de uma Bula específica a “fundação canónica e jurídica do mosteiro Jerónimo da Penha Longa, que se tornou a primeira casa e Sede desta Ordem em Portugal”.

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Atual Salão Nobre e anteriormente Refeitório do Mosteiro

 

Foi seu primeiro Prior Frei Fernando João. D. João I concedeu vários privilégios a este mosteiro inclusive isentando-o do pagamento de Siza e dízimo. Também lhes doou verbas para a construção e doou terras para alargamento da propriedade. O mosteiro herdou em 1517 valores elevados com a morte da Rainha D. Maria, esposa de D. Manuel I. Mas é com este rei que engrandece o mosteiro com a construção de “hospedarias” ou “paços reais” que deram muito prestígio pelo facto de os reis aí fazerem estadias. Com D. João III instala-se um colégio. No entanto o colégio transfere-se para o Mosteiro de Santa Marinha da Costa em Guimarães, mas D. João III introduz obras significativas como o claustro com o seu nome no melhor estilo renascença. Melhorias foram ainda introduzidas por D. Luis, pai de D. Sebastião, também por este a ainda pelo Cardeal D. Henrique.

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Azulejos do Salão Nobre representando o Milagre da multiplicação dos pães

Foram três os reis que aqui fizeram residência com estadias: D. João III, D. Sebastião e o Cardeal Rei D. Henrique. De realçar que ainda na quarta dinastia, Braganças, D. Pedro II, e D. João V continuam a efetuar melhoramentos e beneficiações nos seus edifícios, e também depois do terramoto de 1755 houve nova empreitada de grandes obras para recuperar o mosteiro. Depois da extinção das ordens religiosas em 1834, foi vendido em hasta pública e adquirido em 1836 pelo 1º conde, marquês e duque de Saldanha.

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Salão Árabe no Mosteiro

Vejamos a excelente refeição pensada e preparada pelo chefe João Alves, inspirado por citações da Bíblia:

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Ervas Amargas e Vegetais com Ovos e Ovas, Vinagre e Azeite Virgem Extra

 

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Finas lâminas de Peixe-galo, beterraba, gel de laranja sanguinária, salicórnia e rebentos

 

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Sável e um pão de outros tempos numa receita tradicional

 

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Cordeiro de leite em duas texturas, cherovia fumada, vinho e cebola com flor de grelo

 

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Charósset* XXI – Maçã, frutos secos, canela e vinho tinto

 

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Queijadas de Sintra

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Chefe João Alves

 

Execução culinária na perfeição. Serviço de mesa impecável.

Para acompanhar a refeição tivemos:

- Rive di Rua, Bepi Prosseco
- Altano Branco Douro 2012
- Portal de Picoto Tinto Douro Reserva 2008

*Charroset – doce tradicional da cozinha judaica e servido na festa da Pessach

© Virgílio Nogueiro Gomes