Editorial
Cozinha portuguesa. E agora?
Cinco anos de Sangue na Guelra. Dezenas de horas de conversas com gastrónomos, produtores, investidores, equipas de sala e cozinheiros, entre nomes firmados e estrelas em ascensão da imparável cena gastronómica portuguesa e internacional. Entre experiências, partilhas, interrogações, uma certeza: a cozinha tradicional portuguesa é rica e íntegra, e o levantamento do seu receituário é exaustivo. Recorrentemente, surge a questão: E agora? Que cozinha vamos fazer?
Destes cinco anos inesquecíveis, retemos, em primeiro lugar, a vontade, tantas vezes expressa pelos nossos convidados, de mais partilha, união e trabalho conjunto nas cozinhas, nas regiões, no país. Por isso, desafiar alguns dos mais brilhantes e criativos chefs portugueses a trabalharem juntos temas emblemáticos da nossa gastronomia para apresentarem neste simpósio, foi uma consequência natural do processo. E o entusiamo com que todos eles abraçaram o desafio confirmou a pertinência da ideia.
Mas quisemos ir ainda mais longe.
Porque achamos que faz todo o sentido incentivar a união de toda a comunidade gastronómica (chefs, produtores, investidores, gastrónomos, jornalistas, investigadores, artistas, consumidores) em torno da cozinha portuguesa.
Porque acreditamos que todos os portugueses têm direito a uma alimentação informada, responsável e de qualidade, e que nos compete, a todos, partilhar conhecimentos, proteger tradições e incentivar mudanças que promovam este objectivo comum.
Deste movimento, deste intenso debate, promovido também por muitos outros ao longo dos últimos anos, nasceu o Manifesto para o Futuro da Cozinha Portuguesa - ou Manifesto 0.0. Zero de origem; zero, um número que não vale sozinho, que aguarda pelos outros... É um documento que pretende definir denominadores comuns de uma cozinha que fala muitas línguas, porque está viva e, desde sempre, aberta ao mundo, mas que não perde de vista a sua identidade. É este o Manifesto que o convidamos a ler e, se se revir nestes princípios, subscrever. No entanto, subscrever este documento significa assumir um compromisso e, nas nossas casas, escolas, cozinhas, serviços, associações, enfim, na nossa comunidade, lutar pela sua materialização!
MANIFESTO PARA O FUTURO DA COZINHA PORTUGUESA
1. Temos orgulho no nosso país, na nossa tradição gastronómica e reconhecemos a riqueza da identidade da cozinha portuguesa!
2. A nossa identidade gastronómica é a nossa origem, o que nos funda como cozinheiros(as) – é o reflexo do nosso território, mas também dos povos e culturas que a influenciam desde séculos aos dias de hoje, contribuindo para a sua riqueza e diversidade.
3. Promovemos a liberdade para criar e para explorar novos caminhos, novos pratos, novos sabores.
4. Defendemos que o acto de cozinhar não se esgota na procura do bom sabor. A cozinha é cerebral, interventiva, criativa, subversiva.
5. A criatividade não pode ser um fim em si mesma; deve ser consciente e informada e exprimir um contributo novo para a nossa cozinha.
6. Usamos a técnica para potenciar a linguagem individual de cada um de nós enquanto cozinheiro(a), no respeito por uma filosofia alimentar sustentável e de valorização da identidade gastronómica nacional.
7. Respeitamos a sazonalidade dos produtos e os ciclos biodinâmicos da Natureza.
8. Incentivamos o consumo responsável e sustentável dos produtos e das espécies animais, da terra e do mar.
9. Reclamamos o direito de todas as crianças conhecerem a identidade da nossa cozinha, aprenderem a cozinhar comida saborosa, saudável e de qualidade: tão importante como aprender a ler e a escrever!
10. Reconhecemos o valor dos pequenos produtores, os produtos autóctones e produzidos localmente, fomentando a sustentabilidade dos modos de produção e procurando recuperar produtos esquecidos e diferenciadores do nosso território.
11. Desafiamos todos os cozinheiros, consumidores, produtores, fornecedores, empresários do sector, jornalistas, investigadores, críticos, artistas, pensadores, a assumirem-se como agentes de mudança e de promoção da cozinha portuguesa!