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Título: Com Coentros e Conversas à Mistura

Autor: A. M. Galopim de Carvalho

Editora: Âncora Editora

ISBN: 9789727806775

Todos conhecem a minha procura, quase compulsiva, de novos livros. Depois das minhas recentes férias grandes, três meses, chego a casa e tenho trinta e sete livros à minha espera desde curiosidades licitadas em leilões, encomenda de novidades e outras surpresas. No meu dia a dia pode não sobrar tempo para o meu passeio digestivo depois o jantar, mas há sempre tempo, ou arranjo, para ler. Não estrnhem, por isso, sugerir três livros seguidos.

Este livro é especial. Para o apresentar transcrevo o Prefácio que tive o grato prazer de escrever:

“Que prazer ler este livro!

Como o autor afirma na introdução, este livro é a continuação do “Açordas, Migas e Conversas”. Portanto, para melhor entender este livro não esqueçam de ler o anterior. Mas é uma continuação que parece criar-nos ansiedade, e esperarmos por mais um.

O autor tem um tipo de escrita tão especial que, para mim, seu leitor assíduo, já reconheço a escrita mesmo que não esteja assinada. Quem conhece a obra do Professor Galopim não estranha que no meio da seriedade da escrita geológica, ou de dinossáurios, surja de repente um alimento e memórias associadas. Um dos livros mais extraordinários é “Conversas com os Reis de Portugal”, 2013, um verdadeiro compêndio de história para aqueles que acham que não gostam de história. Avidamente lerão o livro e ficarão nas suas memórias como a melhor lição de história que nunca tinham imaginado. E ficarão a gostar de história!

Este livro de Coentros e Conversas à Mistura, dá continuação ao de Açordas, Migas e Conversas. Uma prosa poética que não é um livro de receitas, mas que tem receitas. Com histórias, mas que não são ficção. Mas muita emoção...! O livro é constituído por capítulo, quer dizer por temas: Canjas, Cremes, Pratos de Arroz, Pratos de Bacalhau, Pratos de Peixe ou de Marisco, Pratos sem Carne nem Peixe, nem Marisco, e Pratos de Carne. Enganem-se os que pensam que vão ler textos de culinária. São textos de receitas com as emoções às próprias receitas e, melhor ainda, os textos que intervalam os textos das supostas receitas como por exemplo Pensar sobre o Pensamento, A Degradação do Ensino em Portugal, Hereditariedades, Expressionismo, A Matemática é uma Escada, Agulha e Dedal versus Tachos e Panelas, Via Láctea, a nossa Galáxia, Liberalismo e Neoliberalismo, Dunas Litorais, Descodificar as Palavras, Cidadania, Liberdade, O Sal e O Porco Alentejano. Uma verdadeira lição de cultural geral que muitos deveriam aprender. Mesmo para aqueles que não têm paciência para a cultura apreenderão os seus ensinamentos. Estes textos parecem, por vezes, intercalados de forma intencional. Não há regra, o que torna a leitura muito mais aliciante. Há, no entanto, uma sequência organizada por ordem cronológica como por exemplo para descrever os grandes movimentos da arte na pintura.

Ora, a grande conversa que parece centrar-se na comida, ou na sua simplicidade, é um discorrer de uma conversa intercalada de comer para o corpo, e de comer para o espírito. As abordagens de temas da cultura geral esclarecida, no meio dos sentimentos provocados pelas memórias gustativas, tornam este livro numa lição para a Vida. Como se estivesse a ensinar os seus netos e garantindo o aprender das matérias das quais as escolas se vão esquecendo. Parece que o mal é mesmo do serviço educativo. E os valores que antigamente se recebiam da família, e depois da escola, não aparecem no ensino enfraquecido pelo sistema facilitador da política.

Mas voltemos às comidas. A canja, caldo centenário introduzido em Portugal por Garcia da Horta enquanto alimento/curativo, tem honras de cinco receitas e os cremes com doze receitas. Estes dois capítulos revelam bem a importância que as «sopas» sempre tiveram na alimentação, a sopa como prato completo, o caldo onde ficam todos os nutrientes dos seus ingredientes!

De seguida vêm os pratos e arroz. Arroz tão importante, arroz dominador antes da batata. Aqui as receitas são treze, número que habitualmente dá mais sorte do que dá azar.

O chamado «isco» é contemplado por quatro pratos de bacalhau, presente entre nós desde o século catorze, seguido por um de peixe e outro de marisco. Curiosa a sequência de catorze receitas que o autor chama de Pratos Sem Carne Nem Peixe, Nem Marisco verdadeira paisagem da Natureza no prato, e que enchem uma mesa. Um elogia à nobreza dos verdes da terra.

Termina a listagem culinária, em prosa que parece poesia, de carnes sem precisar das sua partes elitistas de cozinheiros, mas pegando em algumas miudezas que tanto agrado ainda dão a quem sabe cozer. Hoje em dia, estas partes, foram dadas a algum desprezo. Talvez porque para as cozinhar é preciso saber o que se está a fazer: fazer boa comida!

Ainda espaço para mais uma vez lembrar que este livro não é um livro de culinária. A culinária são apontamentos ilustrativos de uma grande lição memorialista e que envia a levar a vida com mais agrado. Por isso as memórias boas!

É um livro para ler com agrado. Com um lápis próximo porque apetece fazer muitos sublinhados. Para reler ou passar a mensagem, como hoje se diz. É um livro para todas as gerações. E as mais recentes irão, com certeza, aprender mais.

Pela minha parte, além do honroso convite para escrever estas linhas, a sorte de ser dos primeiros a deliciar-se com estas páginas doces. Parabéns!”

© Virgílio Nogueiro Gomes, outubro 2018