Il PanUnto Toscano
Capa da edição de 1990
“Il PanUnto Toscano” é o título de um manuscrito datado de 1705, da autoria de Francesco Gaudenzio (1648-1733), nascido em Florença. Transcrito e comentado por Guido Gianni surge como livro em 1990 e editado por Arnaldo Forni Editores. Tive a sorte de conhecer Guido Gianni em Florença e depois em 1991 numa viagem a Portugal trouxe-me este livro. Já tinha referido o manuscrito que deu origem a este livro em crónica sobre Francisco M Montiño que que podem reler clicando aqui.
Primeira página do manuscrito
Francesco Gaudenzio entrou para a Companhia de Jesus para fazer o noviciado em 1670. Passou depois para o convento em Spoleto em 1675 e vai para Roma em 1678 para o famoso Colégio Romano, o Colégio dos Penitenciários de S. Pedro onde exerceu sempre a função de cozinheiro. Em 1686 vai para o novo e grande Colégio Jesuíta de Arezzo que adquire o nome do fundador da ordem, Colégio e Igreja de Santo Inácio. Em 1705 termina o famoso e notável manuscrito considerado moderno para a época pois para além dos pratos tradicionais, e com poucos e simples ingredientes nos traz um receituário novo e original. Faleceu em 1733 com oitenta e cinco anos de idade. O meu interesse aumentou quando descobri que tem duas receitas “à portuguesa”:
Per Far la Zuppa Alla Portughese detta da Villano
Para Fazer a Sopa à Portuguesa Dita à Camponesa
Tomar o pão partido aos bocadinhos, metê-los num prato de sopa e por cima poreis caldo fervente de vaca, que tinha fervido com um pouco de alho, salsa e presunto, depois colocarei sobre a sopa um pouco de hortelã com aquele caldo que fez ferver o supracitado e podeis servir à mesa.
(Um exemplo de sopa feita com um caldo engrossado com pão e que ainda encontramos algumas receitas pelo interior do país, e que também poderá ter dado origem a algumas sopas secas)
Per Far il Riso Alla Portughese
Para Fazer o Arroz à Portuguesa
Para vinte pessoas tomar uma escudela de arroz e um bom púcaro de leite, por o dito arroz bem lavado e limpo no leite a ferver e deixá-lo cozer a fogo lento misturando-o até engrossar, e próximo do fim da cozedura por uma libra de açúcar; quando estiver cozido misturar dez gemas de ovo batidas bastante bem com água de cheiros (possivelmente água de flor de laranjeira) e incorporar no arroz deixando ficar um pouco ao lume e mandar para a mesa com canela por cima.
(Excelente arroz doce, com a delicadeza de uma água de cheiros que lamentavelmente está a cair em desuso.)
Apesar do trabalho de inventariação de receitas “à portuguesa” em livros estrangeiros que tenho vindo a apresentar este é o primeiro exemplo de um manuscrito que só é um livro em finais do século XX. Mesmo sendo um caderno manuscrito, o autor espera que seja lido e tem no início uma espécie de prefácio, ou texto introdutório, no qual dá algumas explicações da forma como redigiu o caderno, detalhes sobre o capítulo das carnes e termia com um desejo: Vivam Felizes. De facto, a alimentação é uma das atividades da nossa vida que permitem que, também, sejamos felizes.
© Virgílio Nogueiro Gomes