Cozido, pot-au-feu à Portuguesa
Não é uma receita de cozido à portuguesa. É sim uma receita que surge no livro “Cuisine de Tous les Pays” de Felix Urbain-Dubois em 1872 com a designação de Cucido, pot-au-feu à la Portugaise. Mais uma receita publicada num livro estrangeiro que remete para Portugal. Já anteriormente escrevi sobre receitas deste autor num livro em coautoria com Émile Bernard e que podem reler clicando aqui. Felix Urbain Dubois escreveu vários livros importantes para os profissionais de cozinha e entre eles: “Cuisine d’ Aujourd’Hui” (1889), “Cuisine de Tous les Pays” (1872), “Cuisine Classique” (1864), “École des Cuisinières...” (1871) “Cuisine Artistique” (1882), “Nouvelle Cuisine Bourgeoise...” (1888) e “Grand Livre des Patissiers et des Confiseurs” (1889).
Urbain Dubois (1818-1901) fez a sua formação em nas cozinhas da família Rothschild, e depois foi chefe de cozinha de alguns restaurantes parisienses como o Café Torloni, o Café Anglais e Le Rocher de Cancale. Vai para a Rússia e chefia a cozinha de Príncipe Orlof de onde sai para chefiar a cozinha do rei da Prússia que depois foi Imperador da Alemanha. Consta que depois de deixar de estar ao serviço do Imperador Guilherme da Alemanha (1864) o visitava regularmente, e em especial depois da visita do médico do imperador para lhe ajustar a dieta.
Nesse livro encontrei apenas duas receitas relacionada connosco que agora apresento:
Cozido, pot-au-feu à Portuguesa
“Colocar numa panela de barro um quilo de carne de bovino, um pedaço de presunto cru, uma ponta da perna de carneiro, uma galinha, dois ou três punhados (mãos cheias) de grão de bico demolhados; juntar cinco ou seis litros de água fria, colocar a panela ao lume; e escumar, às primeiras bolhas de fervura retirar do lume forte; duas horas depois juntar couve frisada, branqueada, e atar com um fio, 2 alhos franceses, um tomate, uma cenoura, e alguns cravos da índia; uma hora mais tarde, mergulhar no líquido dois chouriços fumados; quando as carnes estiverem cozidas, passar o caldo para uma caçarola e manter ao quente.
Cortar uma cebola, refogar até obter uma cor rosada com um pouco de banha de porco, juntar quinhentos gramas de arroz (carolino) e juntar o caldo da panela até três vezes o volume do arroz; tapar e deixar cozer a fogo baixo; quando o arroz estiver seco juntar uma colher de sopa de pimentão doce e uma colher de molho de tomate. – Com o restante caldo passado e eliminado de gorduras, preparar uma sopa de tapioca; quando estiver pronta deixar numa terrina de sopa. Retirar as carnes da panela, a de bovino, a galinha, o presunto e as chouriças, e dispor numa travessa longa envolvendo as carnes com o grão de bico e as couves cortadas. Servir o arroz à parte.”
Para os leitores que entendem bem o francês percebem a minha liberdade de tradução que é para melhor entendimento. A grande novidade é o arroz com pimentão doce e tomate que lhe dá uma cor diferente. Vejam o preocupação em fazer um “caldo do cozido” desta vez engrossado com tapioca e nós habitualmente juntamos arroz ou massinhas. Quanto ao grão de bico encontramos por vezes no Alentejo e Algarve.
Estranha a designação com o termo cucido, assemelhando-se mais a um termo espanhol. Mas porque lhe chamará à la Portuguaise? Anos mais tarde, A. Escoffier, no “Le Guide Culinaire”, 1902, vem assumir em todos os pratos que apelida de à portuguesa que têm tomate. Será que naquele tempo que se sabia da excelência da qualidade do nosso tomate? Portugal foi dos últimos países europeus a integrar o tomate na alimentação do quotidiano.
O cozido não é uma criação portuguesa. Encontramos em vários países europeus confeções semelhante e que variam em particular no tipo de carnes incluídas. Entre nós tenho que reconhecer que o cozido foi herdado de Castela. Toda a Espanha tem os seus cozidos, cocidos, e José Esteban, no “Breviario del Cocido”, 1986, considera que o cozido é um dos quatro pilares da cozinha espanhola. Para além da Espanha temos outros cozidos como o pot-au-feu em França, o bollito em Itália, o hochepot na Bélgica ou o hotspot na Holanda. Em Portugal a primeira receita impressa em livro é no “Arte de Cozinha” de Domingos Rodrigues, 1680, e chama-se, ainda Olla Podrida!
Foto de um cozido em primeiro plano o grão de bico e arroz com tomate, efetuado no restaurante Nobre, em Lisboa
Filets-migons de daim, sauce Portugaise
Lombos de gamo, molho Português
Irei continuar com a identificação de receitas, publicadas no estrangeiro, com a designação de à portuguesa, ou de Portugal.
© Virgílio Nogueiro Gomes