Mugunzá, Munguzá ou Mungunzá? E Canjica!
Milho
Três palavras semelhantes que parece quererem significar o mesmo, mas nem sempre. E depois há algumas regiões onde existe o termo canjica que, de facto, significa mungunzá doce, mas feito de outra forma.
Segundo Câmara Cascudo, no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, 1954, apresenta o verbete Mugunzá como Espécie de papa feita de milho descascado, temperada com leite de coco ou de vaca, açúcar, manteiga e canela. Esta definição genérica para o produto doce vai aparecer confecionada de formas ligeiramente diferentes, e sentimos desde já que a variação no paladar pode ser forte pela confeção com leite de coco ou leite de vaca. E é Gilberto Freire que em 1939, no livro “Açúcar” que sugere a aplicação do leite de vaca em substituição do leite de coco. Ainda Sodré Viana vem apresentar outra fórmula que consiste na utilização de pó de arroz (farinha ou fubá de arroz) em quantidade suficiente para engrossar o caldo, que deve ter a consistência de uma sopa de batatas.
Mugunzá
Conversei com várias pessoas que cozinham. Cada cabeça sua sentença! De facto, o milho é um alimento estruturante da alimentação brasileira quase com a mesma importância da mandioca, esta verdadeiramente a rainha. Segundo Câmara Cascudo, Depois da mandioca, o complexo etnográfico do milho é o mais vasto e com projeção folclórica pela culinária tradicional (pamonha, canjica, mungunzá, pipocas, espiga de milho assado, farinha de milho, etc.). De lembrar que o milho é presença importante, também, nos cultos religiosos afro-brasileiros. Segundo Severino Alves de Lucena Filho, 2012, num estudo sobre as festas juninas, e a propósito do milho, escreveu que No Nordeste do Brasil, ela pode se adequar a uma situação própria: a das sociedades agrícolas, a colheita do principal cereal plantado na região – o milho. Por isso, as festas juninas mantiveram o seu carácter de festa agrícola... Nesse período a época é de comidas à base de milho, plantado geralmente no dia de São José, 19 de março, como manda a tradição, permitindo que, no mês de junho esteja na mesa, em forma de pamonha, bolo, canjica, munguzá, pipoca, manuê, cuscuz, angu. Vamos então ao mugunzá, mungunzá ou munguzá, sabendo que em algumas regiões substituem, ainda, o primeiro u por um a e outras o g substituído por um c. Vejamos que o munguzá doce é feito a partir de grãos de milho branco inteiro, feito com leite de vaca ou de coco (no Ceará a tradição é leite de vaca), e açúcar. Poderá ser enfeitado com canela polvilhada.
Mugunzá, detalhe vendo-se o volume dos grãos inteiros de milho
Em paralelo temos a canjica, que é feita com milho verde moído ou bem ralado, leite de vaca e açúcar. Enfeita sempre com canela e a sua cor é amarelada pelo facto de o milho ser amarelo. Segundo Câmara Cascudo, também pode ser utilizado leite de coco, e pode ser enfeitada com letras ou desenhos feitos com canela e ainda com pequenos confeitos da própria canjica. Alguns confundem a canjica com mingau, mas o final sente-se a diferença pois o mingau é preparado com milho seco e fica mais cremoso. As divagações são muitas e há quem junte na canjica queijo coalho e outros produtos. Raul Lody escreveu sobre canjica: Um prato emblemático da cozinha nordestina que marca o ciclo junino. É a tão apreciada canjica de milho verde com coco. ... A canjica bem-feita é fina, vidrada, e treme na faca quando é cortada...
Canjica
Ainda segundo Cascudo, Nalguns estados do Sul chamam canjica ao mungunzá... A canjica, de cujo invento se ufana o paulista, é comida gostosa, porém indigesta... (!). Há meio século que a canjica e a rede para dormir são julgados hábitos do Norte brasileiro. Informa também que há a “Cangica da Morte” (altera a forma de escrita) que será uma tradição do Paraná, Santo António da Platina, para servir durante os velórios. É feita com milho pisado no pilão, acrescentam amendoim pisado da mesma forma, junta-se o leite e adoça-se a gosto.
Canjica em taça para tirar à colher
Há já disponível no mercado um produto industrial, semi preparado, e com o nome de canjiquinha e para o qual até propõem adicionar leite condensado. Imaginem como pasmo!
Mugunzá salgado em Juazeiro do Norte
Vejamos agora o que é o mugunzá salgado. Foi a prova deste preparado que me levou a escrever esta crónica. Durante a minha recente estada em Juazeiro do Norte, a minha boa amiga Cristina Holanda levou-me à Praça dos Franciscanos experimentar esta “comida de rua”. Comida de rua está na moda, e não entendo porque não se serve em mais locais, e aqui disseram-me que esta comida não se serve em restaurantes! De que se trata: é um produto final caldoso, ou uma verdadeira sopa completa onde cozem milho amarelo seco, feijão verde, carne de suíno (orelha, pés, linguiça, toucinho, cheiro verde...). Parece que o princípio da confeção começa com um refogado sentindo-se o gosto a alho e cebola. Que estava gostoso, é bem verdade. Que merece ir para restaurantes, é uma necessidade. Carlos Filipe, na sua obra “O Grande Livro do Folclore”, 2004, escreveu que No Piauí... o mungunzá, à base de milho cozido com pé de porco, toucinho e linguiça... é uma tradição local.
Mugunzá, detalhe
Preparação de CANJICA:
Ralar o milho verde amarelo
Juntar leite de vaca e açúcar
Levar ao lume mexendo para engrossar
Deve provar-se e retificar o açúcar até atingir o ponto. Segundo Raul Lody Somente a prática, quer dizer, a «mão de cozinha», fará com que se chegue ao ponto ideal da canjica.
Montada em forma de louça, e depois de arrefecer polvilha-se com canela
Preparação com Noélia Figueiredo no Hotel Oásis, Fortaleza.
© Virgílio Nogueiro Gomes