Ovos-moles, únicos
Com cremosidade única, os ovos-moles são um dos expoentes máximos da doçaria conventual portuguesa. A sua simplicidade é a sua riqueza. A sua delicadeza a transmissão do requinte. E o seu especial valor mede-se, também, pela sua polivalência a completar outras composições doces.
Hoje em dia quando se fala de ovos-moles, fala-se de Aveiro. Quando se fala de ovos-moles cita-se o Mosteiro de Jesus de Aveiro, fundado em 1462 com autorização de D. Afonso V, e desde esse tempo teve sempre privilégios reais e em especial uma dotação de açúcar inicialmente vindo da Ilha da Madeira e que se destinava à farmácia para curar doentes. Rapidamente a sua utilização adquiriu nova função, na doçaria. Este mosteiro era tão importante na perspetiva gastronómica que era corrente famílias abastadas mandarem confecionar as suas refeições na cozinha do mosteiro. Este abuso deu origem a críticas e ordenações régias e do Mestre da Ordem de S. Domingos, a proibir estas atividades.
Em folha de hóstia, em modelos tradicionais
E os ovos-moles são uma confeção que apenas utiliza dois produtos: açúcar e gemas de ovo, e ainda água. Após a extinção das ordens religiosas, 1834, começaram a ser confecionados por várias casas seculares e são hoje um ícone regional mas também um doce identificador das especialidades portuguesas. A sua importância e conhecimento geral era, e é, tão importante que grandes escritores como Eça de Queiroz, Aquilino Ribeiro ou Gustavo de Matos Sequeira, os citaram.
Sabe-se que cada convento teria as suas próprias receitas que depois se transformaram numa receita única. Naquele tempo as receitas eram transmitidas por via oral, e pela prática direta. A venda destes doces constituía uma parte importante das receitas financeiras de alguns conventos. Hoje em dia, a sua qualificação permite inscrever a menção oficial: “Ovos-moles de Aveiro – Indicação Geográfica Protegida”. Este reconhecimento é a prova do aperfeiçoamento especializado nesta confeção e que permite afastar as receitas menos corretas.
Em barricas de madeira
Como se confeciona esta iguaria? Primeiro o trabalho delicado de obter as gemas, separando-as cuidadosamente das claras. Depois o açúcar que deve obter um ponto intermédio entre o ponto de estrada e o ponto de cabelo. Esta calda deve arrefecer para receber as gemas de ovo, e depois voltar ao lume para cozer a 110 graus. Aqui há um modo de fazer, os gestos, que chamam de segredos. A colher que mexe a calda não deve fazer movimentos circulares para não deixar a massa estriada mas movimentos de vaivém em direção a quem confeciona. Depois segue-se o arrefecimento e repouso da massa, habitualmente por vinte e quatro horas, em locais especiais, estufas de temperaturas controladas.
Aplicados em cornocópias
Manda a tradição que se coloque, os ovos-moles, em barricas de madeira, tradicionalmente decoradas com pinturas de temas aveirenses. Também se usam potes em porcelana. A mais conhecida aplicação de ovos-moles é em folhas de hóstia, moldadas em formas de motivos marinhos como conchas de bivalves ou pequenas barricas. Ainda há dois motivos de frutos secos que são a noz e a castanha. Os moldes são constituídos por duas metades que são recheadas com os ovos-moles e depois são unidas humedecendo as pontas. A hóstia para estes ovos-moles é confecionada a partir de farinha, água e gordura vegetal, existindo fornecedores especializados e qualificados para o efeito. A sigla IGP apenas permite a sua aplicação à zona geográfica constituída pelos concelhos de Aveiro, Ovar, Murtosa, Estarreja, Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, Ílhavo, Águeda, Vagos e Mira.
Em "asinhas de anjos"
A nova cozinha também decidiu tirar partido da excecional qualidade e versatilidade dos ovos-moles e, frequentemente, entram como um componente da composição de uma sobremesa. Digamos que a sua textura e gosto sublime deveria inspirar mais as sobremesas compostas com este doce.
E, com as tentativas de redução de consumo de açúcar, não alterem a receita. Aprendam a comer menos quantidade do doce mas não estraguem a receita qualificada.
Excelente edição onde se aprende tudo sobre os Ovos Moles de Aveiro
© Virgílio Nogueiro Gomes
Texto anteriormente publicado na revista Inter Magazine.