Pataniscas

 

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Para nós quando se fala em pataniscas associa-se, imediatamente, até há relativamente pouco tempo, a que são confecionadas com bacalhau. Agora aparecem de camarão, de polvo, de pescada… e até vegetarianas.

Sempre que faço este tipo de crónicas, com um termo a definir, tento sempre consultar obras que esclareçam a etimologia desta palavra. Neste caso sem sucesso! No Dicionário Houaiss podemos ler lasca de bacalhau, coberta com farinha de trigo e frita. Já o Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea vai mais longe e encontramos para patanisca o seguinte: pastel frito feito com um polme preparado geralmente com ovos, farinha, cebola, salsa,… a que se junta bacalhau.

 

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Poderemos afirmar que as pataniscas são um petisco identificado com a região de Lisboa. Aliás José Quitério cita-as como pertencentes ao receituário lisboeta, no seu “Livro de Bem Comer”, 1987. As pataniscas são confeções práticas, mas nem sempre bem preparadas, que se assumem como um petisco mas também podem ser um prato principal habitualmente acompanhadas com arroz de tomate ou de feijão.

Estranho é não ter encontrado receitas que me elucidassem sobre a evolução das pataniscas. A receita mais antiga de um produto semelhante é a de “Bolinhos de Bacalhau” do livro do Visconde de Vilarinho de São Romão, 1841, cujo título é “Arte do Cozinheiro e do Copeiro” no qual o autor admite que a maioria das receitas são tradução do livro “La Maison de Campagne” de Aglaé Adson, cuja primeira edição saiu em 1822. Não é uma patanisca mas tem o detalhe de não incluir a batata que veio mais tarde, e deu origem ao pastel de bacalhau ou bolinho de bacalhau como se continua a chamar no Norte. Na edição francesa os sonhos são, depois de fritos, cobertos com molho bechamel e na edição portuguesa os bolos são cobertos com um molho de vinagre.

 

 

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Na minha tentativa de fixar no tempo a patanisca vasculhei grande parte do nosso receituário e encontrei a primeira receita com Maria Odete Cortes Valente, no livro “Cozinha Regional Portuguesa”, 1973. Nesta receita o bacalhau é desfiado e o polme tem farinha, leite, sal, pimenta e salsa. Da mesma autora, e no livro publicado por regiões em 1994, Estremadura, a receita é preparada com bacalhau lascado e o polme para além daqueles ingredientes também tem ovos inteiros. O sabor é parecido mas o bacalhau sente-se melhor e o polme fica mais cremoso.

 

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Depois Maria de Lourdes Modesto, no livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”, 1982, apresenta uma receita de pataniscas e integrada na região da Estremadura. Mais tarde, como verão no texto, comenta as pataniscas e com nova receita. Mas, curiosamente, em 1990, o 1º Concurso de Gastronomia Lisboeta, na lista de pratos a concurso estão as “Pataniscas de bacalhau” o que confirma a tradição identidade deste prato com a região de Lisboa. Também Francisco Hipólito Raposo, num “Pequeno Roteiro Gastronómico de Portugal”, anos 80, considera as “pataniscas de bacalhau como muito lisboetas. A propósito das Festas de Lisboa, 1991, também António Luís Paralta trata as “pataniscas” como pertencendo a Lisboa.

 

 

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Mais tarde, em 1998, no livro “Comeres de Lisboa” de António Manuel Couto Viana e Ceferino Carrera, é apresentada uma receita de patanisca na qual ou bacalhau é desfeito em lacas ou corta-se em filetes pequenos que depois ficam a marinar durante 2 horas num pouco de leite e limão. Depois prepara-se um polme espesso com a farinha, o ovo inteiro, sal e pimenta, a cebola e salsa picadas, o azeite e água necessária. Curiosa esta expressão de água necessária, linguagem corrente em cadernos de receitas que se sabe experimentadas e de consumo de sucesso. Só quem pratica entende a quantidade de água necessária para o polme ficar no ponto. No final recomenda acompanhar as pataniscas com salada de feijão-frade.

 

 

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Do outro lado do Atlântico, Brasil, também as pataniscas são referência culinária. Maria Lucia Gomensoro, no “Pequeno Dicionário de Gastronomia”, 1999, define as pataniscas como uma Iguaria típica da cozinha de lisboa, Portugal, é feita com lascas fritas de bacalhau, passadas numa massa líquida de farinha (polme), temperadas com salsa e cebola. Outro autor brasileiro, Cláudio Fornari, no Dicionário-Almanaque de Comes  & Bebes, 2001, escreve sobre pataniscas com a seguinte definição: Isca de bacalhau envolvida em farinha e depois frita. Em Portugal, 2005, Maria Antónia Goes, no “Dicionário de Gastronomia” para o verbete pataniscas escreveu: fritos feitos com um polme de leite, ovos e farinha, com lascas de bacalhau e salsa picada.

 

 

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Foi preciso esperar por 2014, pela escrita de Maria de Lourdes Modesto, no seu livro “Sabores com Histórias” para aparecer um texto, com opinião, sobre pataniscas. Intitulado de “Pontos Nos Is Nas Pataniscas”, escreveu que de uma conversa com um crítico gastronómico a propósito da verdadeira patanisca, que ele garantia ter o volume de um sonho. Nada menos exato. Sirvo-me muitas vezes da palavra patanisca para descrever um frito chatinho, tipo bolacha. Ora, são raras as vezes em que o aspeto do acepipe, ou amuse-bouche, que tanto aprecio, corresponde ao que pedi. … Dizem-me que antigamente, há 50 anos, se faziam com o bacalhau cru, bem demolhado feito em lascas e marinado em leite e limão… Disseram-me ainda que as pataniscas, confirmando que a cozinha tem dinâmica, evoluíram, e que hoje se fazem com bacalhau cozido…

 

 

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Bem, chega de escrita e é tempo de acrescentar a minha opinião sobre a patanisca. Começo por dizer que não me incomoda nada que se façam pataniscas com outros peixes ou mariscos. Gosto das pataniscas achatadas, sem ficarem rijas, e bem escorridas da gordura em que foram fritas. Reconheço-lhe a sua origem na região de Lisboa e só lamento que não sejam um maior emblema culinário dada a sua versatilidade de petisco, ou prato principal. Não tenho nada contra os sonhos de bacalhau mas, por favor, não lhes chamem pataniscas. Depois um dos maiores defeitos, que acontece muitas vezes, é o sabor a farinha. Para mim é imperdoável, como é imperdoável encontrar espinhas. Gosto de acompanhar com um arroz malandrinho, e leve, de berbigão ou lingueirão, arroz de tomate ou feijão vermelho. Mas o meu acompanhamento favorito são os legumes verdes, cozidos, ou ligeiramente salteados com alho, ou em salada.

Vamos lá cozinhar mais, e melhores pataniscas! E claro, com um bom vinho a acompanhar sabem sempre melhor.

© Virgílio Nogueiro Gomes