Glorioso Pastel de Nata

 

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Escrever sobre os Pastéis de nata é sempre um ato de prazer tão delicioso quanto comer um bom pastel de nata. Mas o que faz deste doce um objeto de prazer gustativo que se prolonga por mais de cinco século? A resposta poderá ser fácil se lembrarmos apenas a subtileza com que é feita a massa folhada externa, e de pois o seu cremoso recheio que delicadamente escorre.

As origens do pastel de nata remontam seguramente ao século XVI e depois percorre um caminho de aperfeiçoamentos sucessivos até chegar aos nossos dias. A sua origem conventual parece ser incontestável. Os segredos desses edifícios quase amuralhados não deixaram todos os registos. Apenas o sentido do prazer que já causavam!

 

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Uma receita do Convento de Santa Catarina de Sena, em Évora sendo feitos com massa folha e um recheio apenas constituído por natas frescas, açúcar e gemas de ovo e encontra-se com receita idêntica no Mosteiro de Arouca, sendo que este faz a exigência de uma massa folhada muito fina. Se analisarmos a distância entre estes dois conventos, e conhecidas as dificuldades de comunicação desses tempos, podemos também pensar que os pastéis de nata seriam comuns noutros mosteiros ou conventos como o foi em muitos conventos femininos da área de Lisboa. Resta saber em qual foi o primeiro!

Consta ainda que o Convento da Conceição de Beja enviava pastéis de nata para a corte em Lisboa no tempo de D. Manuel I. Como sabemos que a receita também foi para o Brasil e, possivelmente, iniciada a sua confeção durante a permanência da Família Real no Rio de Janeiro e publicada a receita nos dois primeiros livros daquele país de língua portuguesa.

 

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Mas voltemos à tradição do consumo generalizado dos pastéis. Em 1904 publica-se com Carlos Bento da Maia, o seu livro “Tratado Completo de Cozinha e Copa”, com uma receita de “Pastéis de Nata”, cujo recheio é constituído por natas, açúcar e gemas de ovo. Sugere que “é clássico polvilhar a superfície do recheio destes pastéis, primeiro com açúcar muito fino, depois, com canela em pó”, tradição que ainda se mantém.

Maria de Lourdes Modesto, no seu obrigatório livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”, de 1982, apresenta os pastéis de nata e para o recheio: natas, gemas de ovo, açúcar, farinha, açúcar e casca de limão. Acrescenta: “Estes pastéis, que são talvez a mais importante especialidade portuguesa comercializada, podem ser servidos polvilhados com canela, e açúcar em pó.” Parece que o Mosteiro de Odivelas tenha sido o convento da região lisboeta que mais difundiu a sua receita. Aliás, no seu livro de receitas encontramos, logo no início, uma receita de pastéis de nata.

Sobre pastéis de nata, vou citar Eduardo Prado Coelho que tem num texto encantador, sobre esta maravilha, no livro “Nacional e Transmissível”. E sobre o prazer de o degustar: “Eu gosto que os pastéis fiquem bem dourados. Estaladiços, claro. A opção final é pôr canela e polvilhar com açúcar. Um pequeno requinte.” E continua, “o folhado estala entre os dedos, e sentes na sobreposição dos ingredientes a duplicidade infinita de matéria do mundo.” Ora aqui estão definidos os princípios de um bom pastel de nata: massa exterior fina estaladiça e o recheio um bem cremoso que escorre sem precisarmos de o empurrar. O pastel de nata que é bom é aquele que depois de frio se mantém estaladiço, o creme não deve ter gosto excessivo a limão, e sobretudo é aquele que depois do primeiro apetece o segundo.

É esta simplicidade que faz do pastel de nata o doce mais português e mais confecionado pelo mundo.

 

 

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Muitas vezes me pedem a receita do pastel de nata. Recomendo que visitem as pastelarias dos seus bairros à procura do pastel que lhes saiba melhor. E depois que o levem para casa e, estando frio, se mantenha a massa exterior estaladiça para o entender melhor. Eu sei que sou suspeito; eu gosto mais deles frios e estaladiços. Aprendam a adquirir o vosso melhor pastel de nata!

Mas o Pastel de Nata merece mais. Merece que os artesãos ou produtores se associem para, de forma organizada, defender o pastel enquanto património imaterial ou para que se obtenha a atribuição de IGP. Uma associação que o represente enquanto produto nacional e confirmar a sua expansão pelo mundo.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

Publicado parcialmente na revista Inter Magazine nº 250.