Cataplana

Esta crónica é um lamento, uma espécie de manifesto contra o uso menos interessante da cataplana. Este objeto simpático, elegante e facilitador tem-me provocado situações, por vezes desagradáveis quando, em restaurantes, encomendo uma cataplana convencido de que a sua preparação seria a tradicional e, afinal, a cataplana apenas serviu para transportar a comida para a sala mas preparada em tacho.

 

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A cataplana de minha casa

Apesar de haver alguns textos sobre a cataplana e sua possível origem, não foi ainda identificada a região / país onde terá começado a ser utilizada. Podemos, seguramente estabelecer paralelismo com algumas civilizações que dispõem de objetos de utilização para confeção culinária que se aproximam das funções da cataplana.

A representação mais antigo que encontrei é do livro “Opera dell’ arte del cucinare”, 1570, de Bartolomeo Scappi que foi cozinheiro do Papa Pio V e, possivelmente, o mais importante livro de cozinha do seu tempo e que nos apresenta a transição da cozinha medieval, ultrapassada, para uma nova cozinha que acompanha o movimento das artes da renascença. Neste livro são apresentados vários desenhos de “conserveiras” que correspondem às nossas cataplanas. É possível que fossem utilizadas para confeção e que se manteriam fechadas, de conserva, até ao serviço. Ou também para o transporte no interior do palácio e poder ser facilmente reaquecida no local do serviço. São apresentadas em vários tamanhos.

 

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Página do livro de Bartolomeo Scappi

Entre nós conhecemos a sua utilização por caçadores tanto no Algarve como nas Beiras. Há locais onde são chamadas de prussianas. Será que nos chegaram da Prússia? Independentemente da sua origem a cataplana é redescoberta no século XX como um instrumento fantástico para confeção de alimentos, particularmente peixes e mariscos. A forma ideal de ser usada é colocar tudo em cru e depois fechar e colocar ao lume. E neste ato reside a sua excelência. Primeiro colocando o azeite e seguidamente cebola. Depois outros legumes que transpirem. De seguida colocam-se os peixes e ou mariscos. Termina-se com uma ramo de cheiros, salsa ou coentros. Outros temperos podem ser usados. Depois fecha-se, e 15 ou 20 minutos depois está pronta! E só se deve abrir na presença dos consumidores para estes terem o prazer de sentir os agradáveis odores de que lá saem.

 

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Desenho extraído do livro de Bartolomeo Scappi e integrado no livro “Histoires de Cuisines et Trésors des Fourneaux", de Madelaine Ferrières

Onde está o meu lamento? Infelizmente em muitos locais de alimentação, fazem um guisado do tacho e depois usam a cataplana, apenas, para servir de travessa de apresentação. Mas nota-se logo quando isso acontece. O molho está mais grosso e, muitas vezes mais escuros, e colocam um raminho de salsa ou coentros no final para enfeitar. Ora este raminho, com ar bem viçoso, denuncia que não esteve na confeção da cataplana. A cataplana quanto mais simples melhor.

Antes de escrever este meu lamento, fui a um restaurante onde sempre comi boas cataplanas e permitiram-me que assistisse, passo a passo, à sua preparação que apresento em baixo. Foi no restaurante Spazio Buondi, NOBRE. Se quiserem têm várias receitas no livro de Justa Nobre.

 

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Azeite e cebola

 

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Mais tomate, alho e louro

 

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Goraz, ameijoa e camarão

 

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Pimentos e coentros

 

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Fechada e colocada ao lume

 

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Pronta a servir

Fui ainda ao Clube do Peixe que também me habituaram a boas cataplanas:

 

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Cataplana de raia, lulas, ameijoa e camarão

Aprendam a exigir boas cataplanas e confecionadas da forma mais simples e que é também mais saudável. É também uma fórmula fácil para receber amigos em casa e com pouco trabalho.

Não esqueça de um bom vinho para acompanhar.

Bom Apetite!

© Virgílio Nogueiro Gomes