Fogaças de Palmela
Fogaças
O nosso País é fantástico pela diversidade doceira. E invulgar pela variedade de doces com a mesma designação, variando de região para região a forma como são confecionados. Possivelmente as fogaças mais conhecidas e mais divulgadas serão a de Santa Maria da Feira e que têm uma festa associada, a Festa das Fogaceiras, verdadeiro cartaz daquela cidade. É uma festa votiva a S. Sebastião, por isso celebrada a 20 de janeiro, e há mais de quinhentos anos, oferecendo as fogaças ao santo para afastar a peste. Consta que durante quatro anos a festa não se realizou e a peste terá voltado…!
As fogaças de Palmela são diferentes, festejadas a 15 de janeiro, e votivas a Santo Amaro. Santo Amaro foi um santo prodigioso. Filho de patrício romano e abastado, foi entregue com 12 anos de idade a S. Bento para ser educado em ambiente monacal. Bom aluno, destacou-se sempre, tendo S. Gregório exaltando-o por se distinguir no amor da oração e do silêncio, cumprindo o ideal monástico. Foi considerado como o verdadeiro herdeiro espiritual de S. Bento. O episódio mais conhecido, milagre de Santo Amaro, foi ter salvado de afogamento um seu companheiro de convento, tendo caminhado sobre as águas. No final da sua vida foi para Glaufeil e aí instalar o primeiro convento da ordem beneditina em França. Faleceu no ano de 584. Mas este Santo Amaro é considerado padroeiro dos ferroviários, carvoeiros, caldeireiros, jardineiros e foi também santo de devoção dos galegos residentes em Portugal. Ainda santo a quem se faziam pedidos especiais dos coxos, doentes de reumatismo e de gota para salvação ou melhoria dos seus males.
Pintura antiga de Santo Amaro
Em Palmela eram benzidas as fogaças que representavam as partes do corpo que tinham sido alvo de promessa ao santo, ou outras. Assim encontramos fogaças em forma de pés, de pernas, de braços, de animais… Depois destas fogaças serem benzidas, eram vendidas e o produto da venda era destinado ao culto de Santo Amaro. Em paralelo faziam-se outras fogaças para consumo ou distribuição durante as festas. Como afirmo muitas vezes, estas promessas em artigos ou produtos alimentares é uma fórmula de entendimento fácil de os crentes dialogarem com as entidades superiores.
Hoje em dia, para além de uma parte significativa corresponder aos pedidos ou cumprimento de promessas, as fogaças são confecionadas como um doce popular daquela data. Também noutras festas populares é fácil, agora, encontrar estas fogaças.
Sobre as fogaças escreveu D. Sebastião Pessanha, no livro Doçaria Popular Portuguesa, que são de “…variadíssimos formatos e especialmente fabricados para serem oferecidos, em geral em pagamentos de promessas, por ocasião de determinadas festas religiosas, revertendo para o custo, ou para custear as solenidades, o produto da sua venda em leilão.” Depois de descrever vários tipos de fogaças, termina: “Por fim, cito ainda as pernas e braços doces para Santo Amaro (15 de janeiro)… que são autênticos ex-votos e representam sofrimento e fé, outra faceta de uma arte ingénua, mas admirável, na qual palpitam o espírito, o sentimento, o amor, a vida do povo português.” Mais uma afirmação que contribui para o enriquecimento do conceito de que as tradições populares constituem um marco da cultura.
Fogaças
Como são confecionadas as fogaças de Palmela? A partir de um elemento popular e basilar na alimentação portuguesa e que se revela como uma marca estruturante da nossa alimentação: massa de pão. Depois é-lhe adicionado açúcar amarelo, farinha, banha de porco, ovos, sumo e raspa de laranja, aguardente, canela e erva-doce. As proporções podem variar mas o produto final é idêntico.
Para além das informações generosas que o meu amigo Amílcar Malhó me forneceu, também de Nuno Gil, de Palmela e doceiro de eleição, recebi o texto que transcrevo e que é um convite da Confraria Gastronómica de Palmela para assistir, dia 15 de janeiro de 2015, às 19h00, na Igreja de S. Pedro em Palmela, à bênção das fogaças:
A cerimónia tem como objetivo engrandecer ainda mais a tradição e dar a conhecer a Fogaça de Palmela.
Pois estas ações constituem objetivo desta associação que é, promover, divulgar os nossos produtos e as nossas tradições.
Contam os mais antigos que o dia de S. Amaro, se comemorava na Véspera, pois era neste dia que o povo fazia as fogaças em suas casas e depois levavam a cozer aos fornos existentes na Vila, pois na altura eram poucas as pessoas que tinham forno em suas casas e então recorriam aos fornos comunitários ou aos fornos dos seus padeiros.
Depois no dia 15 de Janeiro, as pessoas levavam as FOGAÇAS dentro de cestos de verga e belos panos bordados para a Igreja Paroquial, onde o Padre as benzia, e cada formato de fogaça correspondia a promessa feita ao Santo Amaro, as quais tinham várias formas (animais lá de casa, braço, pé, coração, cacho de uvas…, etc.). Depois de benzidas as FOGAÇAS eram leiloadas e o produto da venda revertia para a Igreja, a outra parte das FOGAÇAS as pessoas levavam para casa e servia para todos os elementos da casa comerem, incluindo os animais.
Igreja de S. Pedro, Palmela
© Virgílio Nogueiro Gomes
(Parte deste texto encontra-se publicado no meu livro “Doces da nossa vida”, Editora Marcador, 2014)