Gravura de Gustave Doré (1832-1883) sobre parábola de S. Lázaro
Começo por escrever que os Cavacórios são parentes próximos das variadas Cavacas que encontramos um pouco por todo o Portugal. Muito embora as cavacas sejam um produto que se encontra, felizmente, em venda durante todo o ano, os Cavacórios de S. Lázaro, anunciavam a chegada do período pascal na região de Vila Real. E anunciavam porque também os cavacórios passaram a ter outra utilização e muitas vezes encerram uma refeição especial. Os cavacórios têm a serventia de copo para “vinho fino” ou Vinho do Porto para celebrar. Temos várias origens para as cavacas e genericamente são doces secos em forma de concha, de diferentes tamanhos sendo sempre os cavacórios de uma dimensão maior, mas serão todos da mesma família.
Há várias estórias que tentam associar este doce à história de S. Lázaro, muito embora o S. Lázaro, o ressuscitado por Jesus e sendo considerado o seu maior milagre, e celebrado a 17 de Dezembro é outro. Este S. Lázaro, o dos Cavacórios, é celebrado no Domingo que antecede o Domingo de Ramos, é uma festa móvel e representa uma parábola da Bíblia, simbolizando o S. Lázaro como protetor dos pobres, e a figura que representa o bem em contraponto à ostentação dos ricos.
Cavacórios
Vejamos as diferentes cavacas que encontramos pelo país, que são uns doces facilmente integrados no que eu chamo de doçaria popular ou regional, cujo consumo continua associado às grandes festas e romarias que animam este país, e muitas delas de origem religiosa mas cada vez com mais manifestações lúdico profanas. As regiões de maior número de diferentes cavacas parecem ser as beiras.
Cavacório
Em Viseu encontramos as Cavacas de Romaria que são confecionadas a partir de uma massa com farinha de trigo, azeite, ovos e açúcar. Nesta massa juntam-se claras em castelo para permitir um produto final mais leve. Vão a cozer ao forno, em tabuleiro. Depois de cozinhadas são pinceladas com açúcar em ponto de espadana, ligeiramente batido para que fique opaco. Estas cavacas são utilizadas por muitos, enchendo a sua cavidade com vinho tinto que dá um novo sabor e outra textura. Ainda na Beira Alta temos as Cavacas da Zona do Alto, com ingredientes idênticos exceto a farinha que agora é de milho e que vai permitir uma massa mais pesada. Aqui os gestos são importantes. A massa deve ser batida em movimentos sempre para o mesmo lado e horizontais. Neste caso as cavacas também vão a cozer em tabuleiros onde se coloca a massa em forma oval ou redonda. Depois de prontas são pinceladas com um creme obtido de claras batidas em castelo com açúcar e sumo de limão. Antigamente eram colocadas a secar ao Sol pois a sua confeção era para as festas de verão. Agora na Guarda encontramos as denominadas Cavacas da Guarda. Aqui voltamos à massa mas feita com farinha de trigo, e vão cozer em formas, que antigamente seriam de barro, tipo tigelas, ou de folha grandes e largas. Depois de cozidas passam-se as cavacas por açúcar em ponto de espadana, devendo ficar com aspeto vidrado. Ainda nas Beiras, e em Envendos, encontramos mais uma receita de cavacas. A massa será idêntica às anteriores, mas a farinha é de trigo e tem dois ingredientes novos: aguardente e bicarbonato de sódio. Depois de a massa estar pronta, é colocada às rodelas em tabuleiro de ir ao forno. Também há quem coza a massa em forminhas de queques, devendo ser uma cozedura lente em forno brando. Depois de prontas são cobertas com um creme de claras batidas em castelo com açúcar e, segundo a tradição, deveriam secar ao Sol sobre uma camada de caruma de pinheiro. Em Juncal do Campo, próximo a Castelo Branco, também se fazem umas cavacas com aguardente e raspa de limão, e a massa vai cozer em tigelas de barro vidrado. Depois de prontas cobrem-se com um creme de claras em castelo com açúcar e sumo de limão.
Vejamos agora as cavacas mais famosas de Portugal: as das Caldas da Rainha. A massa é simples. Batem-se os ovos com farinha à qual se junta manteiga derretida, que faz a diferença em relação às outras massas. A massa vai cozer no forno em forminhas semelhantes à dos queques. Para a cobertura usa-se açúcar em ponto de estrada que se bate, fora do lume, para obter uma massa opaca e na qual se mergulham as cavacas, que depois irão secar. Estas cavacas são verdadeiramente um emblema da doçaria regional. Mais a sul, no Alentejo, encontramos umas Cavacas de Avis, distrito de Portalegre. A massa é feita com farinha, azeite, ovos, e aguardente. Deita-se esta massa em forminhas redondas, e para finalizar cobrem-se com um creme de claras batidas com açúcar.
Cavacório
Voando até aos Açores, encontramos na Ilha de Santa Maria cavacas que adquirem o nome da ilha. Tem uma forma de preparação bem diferente das anteriores. Põe-se o azeite ao lume até ferver, e depois junta-se a farinha batendo bem até éter uma massa uniforme e então juntam-se ovos um a um. Por fim junta-se um poço de água. Esta massa deita-se em formas de queques previamente untadas com manteiga e polvilhadas com farinha. Vão cozer ao forno e entretanto prepara-se açúcar em ponto de bola que se bate para ficar opaco. Cobrem-se as cavacas com este açúcar e deixa-se secar.
Cavacório
Não se esgotam aqui as cavacas que se fazem em todo o Portugal. Há notícia de variadíssimas cavacas. De Sabrosa, a Aveiro, a Sernancelhe, a Coimbra, de Santa Clara em Amarante, … Há no entanto as Cavacas de Resende que, de cavacas, só têm o nome. Estas cavacas são um doce delicado e que já tratei em outra crónica, que eu incluo no grupo de pão-de-ló, e que poderão ler carregando aqui.
Voltemos aos Cavacórios de S. Lázaro. Não há documentação sobre esta tradição para além de um interessante estudo publicado por Juvenal Cardápio. Muitas destas tradições chegam até nós por tradição oral, que, naturalmente, vai sendo alterada. Estes doces fazem parte do grupo de doçaria popular apesar de termos vários conventos que também as confecionavam. Mas parece que não terão nascido em ambiente conventual. A sua forma côncava parecer sugerir uma mão estendida à caridade, como o fez S. Lázaro, o da parábola.
Mais uma especialidade doceira com muitas variantes no país. O melhor é partir à descoberta destes doces. Depois é acompanhar como mais gostar, com Vinho do Porto, vinho fino, ou simplesmente um café.
Bom Apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes
(Cavacórios de S. Lázaro de Vila Real, com Vinho do Porto)
Imagem da ERT Norte