alt
São Lázaro, escultura em madeira policromada do Museu Sacro São José de Ribamar, em Aquiraz, Ceará, Brasil que vos recomendo visitar
 
Já várias vezes escrevi sobre a designação que era dada a muitos doces, quer de origem popular quer de origem conventual, associada a santos ou práticas religiosas. Muitas vezes estes doces eram uma forma de homenagear os santos ou de constituírem uma doação ou entrega na data em que se celebram as suas festividades. Esta prática de doação, ou oferendas, é comum a várias religiões e não mais significam do que uma forma de se aproximarem dessas entidades. É uma espécie de partilha em que os humanos conseguem “dialogar” com os homenageados. Seguramente uma forma de dialogar com essas entidades. São Lázaro celebra-se a 17 de dezembro, e por isso esta crónica. O seu nome, de origem hebraica, significa “o que Deus ajudou”.
 
alt
São Lourenço em pintura de Giotto (1267-1337)
 
 
A receita sobre a qual hoje estou a escrever, encontrei-a em Vila Real, Trás-os-Montes, graças ao meu bom amigo Elíseo Neves. Transcrevo a forma com estava escrita a receita que chegou até mim: “Farinha de trigo, assucar, agua, raspa de limão e crescente. Amassa-se tudo, faz-se um rolo, e corta-se este em troços de polegada, e mea, e vão ao forno numa lata untada com azeite depois de terem levado uma dedada, e depois de cozidas Sam pintadas com o secante de assucar em ponto, e passadas por calda do mesmo. Hesta é a receta verdadeira das bexigas de Villa Real por Lourensa do cano”. Pois é, depois é preciso estudar a melhor proporção das mercadorias para criar um doce agradável ao apetite e, à devoção. Para a confeção contei com a colaboração da minha irmã Lina que pacientemente estabeleceu as melhores porções para a receita que apresentarei no final do texto.
alt
 
São Lázaro em pintura de Juan de Flandes (1460-1519)
 
 
Voltemos a São Lázaro. Este terá nascido em Betânia, na Judeia, e era irmão de Marta e Maria, todos amigos de Jesus. Consta que Jesus se hospedou por vários vezes, onde gostava muito de comer pois considerava Marta uma excelente cozinheira. E parece ter sido pela inabalável fé e confiança de Marta que Jesus terá feito ressuscitar Lázaro. Aliás consta também que Jesus terá chorado a morte de Lázaro pois que o considerava um bom amigo. Marta terá pedido para chamarem Jesus pois tinha a certeza de que ele o salvaria, apesar de já estar morto. A ressurreição de Lázaro terá sido e ainda é considerada por muitos o maior milagre de Jesus.
alt
 
Iluminura com representação da ressurreição de São Lázaro
 
 
Na sua segunda vida, Lázaro terá vindo para a Europa e, segundo uns, tornou-se no primeiro bispo de Marselha e, segundo outros, como bispo de Chipre e depois martirizado. Certo é que em Lanarca, Chipre, existe uma igreja com o seu nome e já no século XX foram aí encontrados alguns dos seus restos mortais. São Lázaro surge sempre como protetor das doenças de pele, o protetor dos leprosos, por isso é apresentado com chagas e com um cão por perto que lhe lambe as feridas. Simboliza também a amizade, e a proteção dos pobres em relação aos ricos, pela sua fé. No Brasil, e na Umbanda, tem sincretismo associado a Omulum, o deus da peste.
 
alt
 
Biscoitos “Bexigas de São Lázaro”
 
 
Para os biscoitos, ou bolinhos, “Bexigas de São Lázaro” proponho agora a receita que se encontra no início da crónica mas com redação atual e quantidades para todos os ingredientes. Necessitamos de cento e vinte e cinco gramas de açúcar, duzentos e vinte gramas de farinha, cinco centilitros de água, a raspa de um limão e um pouco de azeite. Amassa-se tudo muito bem até conseguir uma massa uniforme. Forma um rolo com esta massa e cortam-se às rodelas com três centímetros de espessura. Prepara-se um tabuleiro de ir ao forno com um pouco de azeite e colocam-se os nossos discos de massa. Depois dá-se uma dedada no meio de cada disco que simbolizará a representação da “bexiga”. Vai ao forno aquecido a cento e oitenta graus, durante cerca de vinte minutos. Seguidamente, depois de retirar do forno devem arrefecer. Põe-se ao lume um recipiente com dez colheres, de sopa, de açúcar e uma colher de sopa de água até que comece a ficar um branco espesso e agarrar as paredes do recipiente. Depois pincelam-se as “bexigas” com este preparado que seca rapidamente. Para terminar a receita é necessário ainda colocar ao lume duzentos e cinquenta gramas de açúcar com cento e noventa mililitros de água e ferve durante um minuto. De seguida mergulham-se as “bexigas” nesta calda e escorrem-se sobre uma rede. E estão prontas as nossas Bexigas de São Lázaro.
 
alt
 
Bexigas de São Lázaro
 
 
Façam uma experiência nova e aumentem a variedade de doçaria nas mesas de Natal. E assim ajudam ao renascer de uma tradição regional que se espera não perder. Nos meus tempos de vivência por terras bragançanas, pelos festejos de São Lázaro, à volta da sua pequena e humilde capela vendiam-se laranjas. O que era bom sinal pelo aparecimento desta fruta na época em que a Natureza a melhor produzia. Agora, por esta e, às vezes infelizes consequências da globalização, vamos tendo laranjas todo o ano, umas melhores outras menos.
alt
 
Bexiga de São Lázaro
 
 
Força com as “Bexigas de São Lázaro”. Ah! Pode acompanhar com um licor local ou simplesmente com chá ou café. São seguramente um bom acompanhamento para o café e aquecer estes tempos tão frios.
 
Boas Festas!
 
© Virgílio Nogueiro Gomes