(Azeitonas temperadas para começar)
Trata-se de um prato que se identifica com a região de Lisboa, e muitas vezes assumido como petisco. Algumas casas também o servem a rechear um pão, como sendo uma sanduíche, a exemplo das famosas bifanas. Infelizmente é, por vezes, este prato associado a uma comida mais pobre não constituindo elemento da chamada gastronomia de elite. Que erro!
Não se sabe bem a data de nascimento deste prato nem quem o pariu. Sabe-se que era muito popular nos inícios do século XX na cidade de Lisboa. Parece que também era tradição ser vendido pelas ruas, mas ao qual se juntava também o bofe e a fressura. Eram conhecidos na gíria popular como “bifes de cabeça chata”, pelo facto de serem cortados muito fininhos e também por serem de preço muito acessível. Eram presença constante em tasca e tabernas e nalguns botequins.
Com a utilização versátil que tinha, as “iscas” eram servidas com batatas, prato de refeição que se chamava “Iscas com Elas”, ou então sem batatas, habitualmente como petisco, “Iscas sem Elas”. Eis então a batata, já em plena ascensão e tradição de consumo, a determinar a designação curiosa do acompanhamento preferencial das “iscas”. Consta que nas casas de maior consumo, a frigideira onde eram confecionadas as “iscas”, mantinha a gordura de fritura, sendo acrescentada quando necessário, e apenas se lavava quando havia encerramento temporário do estabelecimento. Acreditava-se que isso seria o segredo para a boa execução, também se fazendo o mesmo para as bifanas. Não, hoje, em restaurantes que eu conheço, essa prática já não existe. Há, felizmente, uma nova geração de restaurantes preocupados em servir tradições locais que estão a reabilitar certos pratos nos quais se incluem as “iscas”.
(As Iscas sem Elas)
Este prato foi tão importante em Lisboa que eram conhecidas as casas onde se servia diariamente e outras cujo nome estava associado ao prato. Assim tínhamos três estabelecimentos com o nome “Casa das Iscas” na Travessa da Queimada, Travessa da Palha e no Largo do Carmo”.
Mas como se preparam as “Iscas”. Primeiro corta-se o fígado de bovino em fatias muito finas. Colocam-se numa marinada de vinho branco, vinagre, alho, louro, sal e pimenta e deixam-se de um dia para o outro. Há executores que defendem que a marinada deve ser, pelo menos, de vinte e quatro horas. Prepara-se uma frigideira com banha de porco em lume forte e fritam-se ligeiramente as “iscas”pelos dois lados. Retiram-se as “iscas” da frigideira e frita-se o alho da marinada. Antigamente, adicionava-se baço raspado, que ajudava a engrossar o molho. Há quem junte um pouco da marinada na frigideira e deixe reduzir um pouco. Voltam a colocar-se as “iscas” neste molho até levantar fervura e emprata-se em frigideira de barro colocando as “Iscas”, regam-se com o molho de fritar, e cortam-se batatas às rodelas, previamente cozidas e salpica-se com salsa picada.
(A salada que me acompanhou)
Encontramos uma receita idêntica à dos nossos dias no Tratado Completo de Cozinha e Copa de Carlos Bento da Maia, 1904, o que revela que esta receita já deveria ser praticada na segunda metade do século XIX. Curiosamente o acompanhamento é feito com batatas fritas, seguramente mais de acordo com os turistas que nos visitam nos tempos que correm. António Maria de Oliveira Bello, dá uma receita no seu livro “Culinária Portuguesa”, 1936, com edição atual da Marcador, 2012. Também mereceram honras de citação, com elas e sem elas, em Lisboa, o livro “Volúpia” de Albino Forjaz de Sampaio, 1940. Maria Emília Cancella de Abreu classifica este prato assim: “É uma receita tipicamente lisboeta.” Segundo J. Albano Marques, no Manual de Gastronomia, 1985, as “iscas” descreve assim: “Em fatias muito finas. Marinar pelo menos 24 horas em: vinho branco, sal, pimenta, alho e louro. Adicionar a raspagem de Baço. Fritar em banho-maria e servir com batata cozida, ou arroz, à parte.” Mas este prato atravessou o Atlântico, e criou tradição no Brasil. Segundo Maria Lucia Gomensoro, no pequeno Dicionário de Gastronomia, 1999, refere-se assim: “Prato de origem portuguesa, é muito encontrado nos restaurantes do Rio de Janeiro. São tirinhas de fígado de boi, fritas com cebolas e acompanhadas de batatas salteadas na gordura desta fritura.” Ainda no Brasil, “Isca” quer dizer: “Pedaços de carne (em geral fígado) cozidos, fritos ou ensopados.”
Recentemente comi umas “iscas” que me surpreenderam pelo paladar. Excelente execução mas o molho revelava algo de novo. Ficava um ligeiro gosto agridoce. Depois de questionar a composição do molho vim a saber que o vinagre adocicado lhe dava aquele gostinho que marcava a diferença. Mas gostei. Tiras fininhas e passas no ponto que lhe dava uma maciez apetitosa.
(O Excelente Toucinho-do-céu, rico em gemas, açúcar, amêndoas e gila)
Acompanhei com vinho de Murça! Trás-os-Montes também a fechar a refeição com um Toucinho-do-céu, que foi feito lá, não a receita conhecida, mas a da sogra da proprietária que também é grande cozinheira. De lamber os dedos.
© Virgílio Nogueiro Gomes
Estas “Iscas” foram-me servidas:
Madragoa Café
Rua da Esperança, 136
1200-659 Lisboa
TL 213 978 567