Vista que se obtém do terraço

 

 

Estive recentemente em Marrocos na minha cidade de eleição que é Marraquexe. A fugir do frio que continuava em Lisboa achei-me merecedor de um pouco de Verão. A facilidade de voos, e a curta distância, cria em Marrocos um destino apetecível. Conheço bem Marrocos e já, anteriormente, fiz uma crónica sobre comida marroquina e outra sobre um grande ícone da gastronomia do Magrebe que é o cuscuz. Este prato é tão determinante para esta área que deu origem a um filme premiado, e imperdível, que éO Segredo de um Cuscuz”, deAbdellatif Kechiche, 2006.

Nesta viagem era minha intenção frequentar locais populares e fotografar o mercado das especiarias. Razões de várias ordens levaram-me a concentrar-me em locais de cozinha mais elaborado e reviver locais de alegre memória. Continuo a sugerir que todos os portugueses deveriam conhecer Marrocos, aqui tão perto, e com uma cultura tão diferenciada, mas um país onde ainda encontramos marcas da presença portuguesa e onde vamos encontrar alguns hábitos de nos deixaram na Península Ibérica nas épocas em que aqui dominaram. Quase tudo é agradável. O clima, a hospitalidade, a segurança, os prazeres da mesa… Apenas um senão que me incomoda no dia-a-dia que é a discussão do preço do serviço de táxi. Logo no aeroporto. Há países com forte impacto do turismo que dispõem de um balcão onde nos é indicado preço fixo para cada hotel. O melhor é acordar um serviço de transfer com o hotel. Esquecendo este detalhe vou hoje descrever a melhor refeição que fiz nesta estadia e que foi também um voltar a um restaurante que sempre me agradou. Pois trata-se do “Dar Yacout” que é um local de perfeição. Possivelmente alguns se lembram da Expo 98 pois o restaurante esteve presente em Lisboa, e deixou algumas saudades. Trata-se de um restaurante de cozinha marroquina onde a envolvência, o espaço, o serviço e a qualidade da comida fazem, no conjunto, uma experiência inolvidável. Não tem ainda uma vertente contemporânea de cozinha mas tem uma característica fundamental: é uma boa e bem executada cozinha. Ir a este restaurante é quase como cumprir um ritual. Não é um restaurante vulgar, não tem carta, o chefe anuncia o jantar do dia e depois tudo é perfeito.

Flores por toda a casa

 

 

O restaurante ocupa a totalidade de uma casa de um marroquino abastado e mantida com todos os seus detalhes decorativos, na Medina de Marrakesh. Nasceu há cerca de vinte anos pela mão de Mohamed Zkhiri e desde o início marcado pela marca de prestígio onde todos os pormenores são cuidados. Atualmente com gerência de Abdellatif Zkhini, irmão fundador, e a cozinha chefiada por Fatima Amri. É classificado com três garfos no guia dos Best Restaurants Maroc. Só serve jantares e encontra-se encerrado às segundas-feiras.

Detalhe decorativo

 

A chegada é surpreendente. Um largo incaracterístico com casas de janelas fechadas, uma pequena viela e depois um senhor de alva jilaba nos sorri, dá as boas-vindas e nos convida a entrar. Verificada a reserva, convida-nos a subir ao piso superior para os aperitivos. Estes habitualmente são servidos no terraço mas, com a possível chegada de chuva, foram prudentemente servidos no primeiro piso. Belas salas, que comunicam com outras salas e recantos de encantar.

Os nossos aperitivos, com passas e amêndoas

 

Vamos então ao jantar. A mesa parece enorme para duas pessoas. Aqui, todas as mesas são grandes, com toalha de bom linho, pétalas de rosas espalhadas, talheres prateados e copos em cristal. Pouco depois de o chefe nos informar o que vão servir para jantar, e escolhido o vinho, este é decantado para uma garrafa de cristal.

Chegam as entradas constituídas por dez variedades de saladas marroquinas e três briouates. As saladas são, por vezes, cremes de legumes ideais para barrar pão. Obrigatória a cenoura em duas texturas, a beringela, o pepino e a aboborinha. Briouates são uns pequenos pastéis feitos com ouarka, espécie de folha de massa brique, e recheadoscom carnes variadas. Depois são fritos em óleo borbulhante e devem ficar estaladiços de forma delicada com se quebram com os dentes. Também se fazem com doces e acompanham o chá.

 

 

As saladas marroquinas

 

 

 

Brouiates

 

 

De seguida chegou o “Frango com limão e azeitonas”. Trata-se de frango do campo pois a confeção é lenta e, se for de aviário coze rapidamente e desfaz-se. Vai estufar inteiro e sente-se a presença de gengibre e açafrão, para além do gosto do limão de conserva e naturalmente as azeitonas. Chega á mesa em grande aparato decorativo e depois o chefe corta e prepara o frango, com uma rapidez invulgar, e serve em duas porções.

Frango com limões e azeitonas

 

 

 

Da mesma forma, em aparato decorativo, uma tampa cónica elevada e forrada a veludo verde e vermelho com galões dourados, chega um dos pratos mais emblemáticos de Marrocos que é o “Couscous com sete legumes”. Trata-se de um couscous de cordeiro, habitualmente espádua, e entram na confeção aboborinha, nabos, cenouras, cebolas, tomate, couve verde e aipo. É ainda tradição juntar um pouco de abóbora e grão-de-bico. Leva inda salsa, coentros, azeite, gengibre, açafrão, sal e pimenta.

Couscous com sete legumes

 

 

 

Para sobremesa uma “Pastilla de leite com amêndoas”. O termo “pastilla” por vezes também “bastilla” é uma confeção culinária que utiliza a massa brique quer para embrulhar com recheio, que para utilizar como se for uma folha, muito fina, de crepe. Neste caso, as folhas são fritas o suficiente para ficar estaladiças e, depois de montadas, regam-se com leite (antigamente fazia-se com leite de camelo), aromatizado com água de flor de laranjeira e baunilha, e aos qual se juntar amêndoas peladas e partidas. Muitas vezes polvilha-se com canela.

 

“Pastilla” de leite com amêndoas

 

 

 

Para acompanhar o chá ou café são colocadas na mesa quatro variedades de pastelaria irresistível.

 

Pastelaria

 

 

Escolhemos como vinho “Cuvée du Président – Cabernet Rouge”

Durante toda a refeição há muita música ao vivo de ambiente local por dois duos que, delicadamente tocam, não interrompendo a conversa à mesa. O melhor de Marraquexe, e aqui tão perto!

© Virgílio Nogueiro Gomes

Restaurante Dar Yacout

79, derb Sidi Ahmed Soussi

Bab Doukkala – Marrakesh

Só serve jantares. Encerra à 2ª feira. Reserva quase obrigatória.