Pastel e Pastéis

Esta crónica deve-se ao pedido que muitos me têm feito sobre as razões porque certos preparados culinários têm a mesma designação e os produtos finais serem tão diferentes. O que terão em comum os Pastéis de bacalhau, com os Pastéis de massa tenra, ou com os Pastéis de Chaves, ou com os Pastéis de nata, ou ainda com os Pastéis de Santa Clara? Apenas o nome?! Claro que há mais iguarias denominadas Pastéis, e que tentarei lembrar durante a crónica.

 

(Pastéis ou Bolinhos de Bacalhau)

 

Da origem do termo “pastel” temos várias informações mas poucos registos categóricos. Segundo José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, deriva do francês antigo pastel (“bolo, ou bocado de massa”) ou do latim tardio pastellu. De lembrar que ainda hoje em Itália existe o termo “pastello” que significa pastel. Há quem lhe atribua a origem na língua alemã, como Ginés Vicancos, no Diccionario de alimentación, ao escrever que “pastel ”é uma “inconcreta expresión de origen germánico para definir, en general, una massa de harina y otros ingredientes, horneada, rellena o cobierta en su superficie de ingredientes dulces o salados.” Consultados vários dicionários alemães encontrei em vários autores a palavra “pastete” sempre definida como massa recheada, e no dicionário de Slaby/Grossmann, identifica o termo como de origem francesa, pastel, e que significa uma massa recheada, também. No dicionário de Wamrig “pastete” significa massa recheada com carne, peixe e legumes, deixando de fora os doces. Curiosamente encontramos uma definição mais longa no Dicionário de Comes & Bebes, de Cláudio Fornari, que descreve como “Massa fina de farinha que se estende e se corta em pedaços pequenos, os quais são recheados (com carne, peixe, queijo, doce, fruta), e depois fechados como um pequeno envelope, e, finalmente fritos ou cozidos. O nome vem de pasta, que em italiano que dizer massa.” Não é ainda neste autor que encontramos a definição abrangente que inclui os pastéis que citei como exemplo no início do texto. Vejamos o que consta no atual Dicionário da Academia das Ciências: “Preparado de massa de farinha cozida no forno que envolve um recheio de carne, peixe, marisco, doce, fruta…, vendido nos cafés e pastelarias”. Refere ainda que o termo “pastel” vem do francês antigo pastel ou do latim pastillum. Também não é aqui a definição mais esclarecedora em relação aos variados tipos de pastéis que encontramos no nosso inventário culinário. O meu amigo Armando Fernandes contou-me que o termo vem da Pérsia.

(Pastéis de Chaves)

 

No receituário mais antigo em português, caderno de receitas da Infanta Dona Maria, 1533-1577, já encontramos sete receitas de pastéis. O primeiro, “pastéis de carne”, corresponde ao que hoje encontramos como covilhetes ou empadas, sem ser em massa folhada, possivelmente desconhecida nesta data. No mesmo grupo encontramos ainda os “pastéis de tutanos” com características idênticas, mudando o recheio, e também semelhantes os “pastéis de pombinhos”. Apesar de estar no capítulo das carnes encontramos os “pastéis de fígado de cabrito” que mais parecem uns croquetes agridoces. Verdadeiramente doces são os “pastéis de marmelos” e os “pastéis de leite” sendo que estes últimos poderão pertencer ao grupo dos antepassados dos pastéis de nata atuais. Curiosamente a receita mais estranha é a dos “pastéis lepardados” que parecem uns biscoitos de massa com carne. As receitas posteriores, portuguesas, são as de Domingos Rodrigues, 1680. No livro “Arte de Cozinha”, apresenta vinte e duas receitas de pastéis salgados e seis receitas de pastelinhos que são doces. A caixa exterior destes pastéis é com farinha, manteiga, ovos e, por vezes, também açúcar, é semelhante `de algumas empadas e sobre as quais irei escrever outra crónica. Já existia neste livro a massa folhada aplicada especialmente para as tortas. É fundamental, desde já, referir uma obra importante para a cozinha portuguesa pois é o primeiro livro que contém receitas com a designação “à portuguesa”. Trata-se do livro “Arte de Cocina, Pastelería, Vizcocheria, y conserveria”, 1611, da autoria de Francisco Martinez Montiño, chefe de cozinha de Filipe II de Espanha e que acompanhou o rei na sua estadia em Lisboa. Pois o livro apresenta receitas designadas por “Pastel”, “Pasteles”, “Pastelones” e “Pastelillos”, sendo que alguns são confecionados com massa folhada e outros com massa meio areada. Uns deles “”Plasteles Flaones” o recheio não é mais do que o creme do nosso pudim flan. Os termos são utilizados quer para receitas salgadas, quer para receitas doces. No “Cozinheiro Moderno…”, de Lucas Rigaud, 1780, a massa folhada é uma prática constante o que significa nessa época o domínio desta receita. Utiliza muito pouco o termo “pastel”. Apenas em cinco receitas de “pastelinhos” todos salgados e depois um texto “Outros pastéis para diferentes modos” onde esclarece que “…tanto de massa tenra, feitos em caixas, como de massa folhada, se fazem outros …”. Podemos pois deduzir que é no século XVIII que o termo pastel, e a utilização da massa folhada, ou da massa tenra, se generaliza.

(Pastéis de Nata)

 

Vejamos, então, os exemplos de pastéis e o que encontramos de comum entre eles. E Começo pelo Pastel de Bacalhau talvez por ser o que menos se enquadra nas definições gerais de pastel. Certo é que o pastel de bacalhau terá começado por ser o minhoto bolinho de bacalhau. Ou chamar-se-á pastel pela primeira receita publicada com essa designação, por João da Matta, em 1876, que coze a massa em formas de queque, no forno. Talvez por essa razão lhe chama pastel. A receita como hoje ainda a confecionamos é publicada por Carlos Bento da Maia em 1904 no Tratado Completo de Cozinha e Copa, e a grande variação é a desproporção da quantidade de batata que o transforma em pesadelo.

(Pastéis de Santo António, de Pernes)

 

Vejamos agora o Pastel de Chaves. Havendo notícias dele desde início do século XIX, trata-se de uma confeção com massa folhada e recheada com um preparo de carne picada. O pastel aparece em forma de meia-lua e é cozido em tabuleiros no forno. Manteve-se com produção local e hoje já é vendido em várias zonas de Portugal.

Temos ainda, no grupo de pastéis salgados, os famosos Pastéis de Massa Tenra. De facto consistem numa massa que é recheada com carne e que são fritos. Antigamente estes pastéis eram só recheados com preparados de carne, hoje em dia também os encontramos com outros recheios e especialmente legumes.

(Pastéis de Lorvão)

 

Se atendermos à sua forma, e definição do termo pastel, é caso para perguntarmos porque não se chamam pastéis os Covilhetes de Vila Real ou a maioria das Empadas. Ou ainda porque não se chamam de pastéis os tradicionais rissóis.

(Pastéis de Santa Clara)

Na categoria de pastéis doces, o leque é muito mais variado. Temos especialmente dois grupos: um que consiste na utilização de uma caixa de massa folhada ou de massa tipo quebrada ou areada e depois recheada com doce que habitualmente tem sempre ovos e açúcar. Neste grupo podemos incluir os Pastéis de Nata, ou Pastéis de Feijão de Torres Vedras, ou os do Lorvão, ou dos Pastéis de Arroz dos Açores e os Pastéis de Santo António. O outro grupo tem um tipo de pastéis que consiste em embrulhar um creme doce numa massa filo ou folhada, ou outra massa e dar ao pastel uma configuração semelhante à dos rissóis. Usa-se uma massa de farinha, manteiga, e por vezes ovo, e água para os Pastéis de Santa Clara e Pastéis Cristas de Galo de Vila Real, ainda os Pastéis de Santa Clara de Coimbra, Pastéis de Toucinho do Alentejo, e Pastéis de Santa Clara do Alentejo, assim como os de Vila do Conde, com a particularidade de serem fritos enquanto os restantes são cozidos no forno. Temos ainda os famosos Pastéis de Tentúgal e de Vouzela que são confecionados embrulhando um creme doce de ovos em massa tipo filo, que seguramente herdámos dos árabes pois no vizinho Magrebe continuam a fazer doces com esta massa. Não está aqui descrita a lista de pastéis. Apenas alguns exemplos para confirmar que o termo “pastel” terá várias significações. Geralmente ainda se chamam pastéis a todos os doces que se produzem em pastelarias com “Fabrico Próprio”. De Portugal foram para o Brasil uma grande variedade de pastéis, tanto doces como salgados, especialmente os confecionados com massa tenra. Ficarão para uma próxima crónica.

(Pastéis de Tentúgal)

Qualquer dos pastéis, doces ou salgados, saberão melhor acompanhados com vinho. E o melhor vinho é aquele que melhor lhe souber na boca. E bebam à saúde de todos!

© Virgílio Nogueiro Gomes