(Feijão-frade)
Naturalmente feijoadas são confeções culinárias nas quais o feijão tem uma função dominante. Genericamente associa-se a feijoada a um guisado de feijão com carnes. Este termo foi levado para todos os locais no mundo onde se fala português, e ainda mantido como uma prática culinária corrente.
Apesar de o feijão já ser conhecido após o domínio árabe da Península Ibérica, só após o descobrimento das Américas o seu consumo foi generalizado, e bem aceite na alimentação ganhando espaço às ervilhas e à favas que nesse tempo dominavam. No México parece haver registos de existir há pelo menos 8.000 anos. Terá entrado na alimentação popular e só mais tarde, século XVIII, o feijão-verde se iniciou no consumo. De facto o primeiro feijão era apenas o feijão seco, cuja conservação era mias facilitada. Apesar de terem sido identificadas cerca de três mil variedades, em Portugal o consumo está baseado apenas nas seguintes: feijoca, manteiga, encarnado, frade, catarino, branco e preto. Este último recentemente presente pela influência da comunidade brasileira. Aliás, no Brasil, o feijão faz parte da trilogia fundamental da alimentação brasileira, ao lado de farinha e de carne-seca conforme definição de Paula Pinto e Silva. Consta que em França entrou pela mão de Catarina de Médicis, toscana, quando casou com o rei francês Henrique II. Na Toscana era considerado um produto novo e inovador. Mas o feijão nunca foi um produto de elite, antes associado a uma alimentação barata e popular. Recentemente veio a ser reconhecida a sua importância para a alimentação. Era pois um elemento relacionado com a alimentação rural e nunca vinha para as grandes mesas. O seu significado estava associado a humildade, pobreza e abstinência poi substituía com frequência o peixe ou a carne.
(Feijão encarnado riscado)
Em Portugal só tardiamente aparece nos receituários. Nem em Domingos Rodrigues, 1680, no que se crê ser a primeira receita do “cozido à portuguesa”, ainda aparece. Cem anos depois, com Lucas Rugaud, aparecem duas receitas de feijão-verde, de fricassé e à provençal, e ainda uma receita de feijão-verde para conserva e uma de feijão branco que corresponde a feijão preparado para ser guarnição de carne, especialmente, e de peixe. Vários autores portugueses citam o feijão nos seus escritos. Aquilino Ribeiro, na Geografia Sentimental refere-se ao feijão vários vezes, fazendo-lhe elogio aos “feijões vermelhos com presunto”, e genericamente quando afirma que “bem vai quando o ano é grado em pãozinho e abundoso em feijão.” No entanto, recentemente, grandes chefes de cozinham atribuem-lhe um novo lugar. Alain Ducasse, no seu Dictionnaire amoureux de la cuisine, escreveu: “Entre a fina vagem verde e o grão branco, amiudadamente o meu coração não se decide”.
O feijão que gostaria de desenvolver aqui é o feijão seco. Ele é que dá origem às famosas feijoadas. Como referi no início, as feijoadas, confecionam-se em todos os territórios onde se fala português, no Brasil, na Espanha, no México e outros países da américa latina. Seco também o feijão vagem tardio que os transmontanos se habituaram a deixar secar para depois hidratarem, e utilizarem durante o inverno a fazer sopas ou como guarnição do famoso butelo ou carnes de porco, cozidas. As estas vagens secas chamam vulgarmente cascas, casulas ou palhadas.
(Feijoada brasileira)
Vejamos as principais feijoadas em Portugal. A mais famosa e mais completa, perdoem-me desde já o entusiasmo natural, é a transmontana. Como a maioria das feijoadas, o feijão, habitualmente branco e por vezes o encarnado, é posto em água de véspera para hidratar bem. Faz-se o mesmo a todas as carnes que foram fumadas. Nestas entram sempre de porco, orelheira, focinho, pé e presunto. Depois linguiça e salpicão, e ainda entremeada e entrecosto. Entram também a couve troncha ou portuguesa, e que segundo muitos autores é o que dá o nome a esta receita “à transmontana”, nabos, cebolas, cenouras, alho, salsa, louro, colorau, malagueta e azeite. Coze-se o feijão na água em que demolhou. Já para as carnes se muda a água para não ficar muito salgado. Leva-se a feijão a cozer com um pouco de azeite. À parte dá-se uma cozedura às carnes e aos enchidos, e depois partem-se aos pedaços. A couve leva uma escaldadela e a cenoura também deve cozer. À parte coloca-se uma panela com azeite, a cebola picada até alourar. Junta-se o feijão com alguma água em que cozeu, juntam-se as carnes, a couve, as cenouras e leva-se a lume brando, e junta-se agora a salsa, o louro, a malagueta. Retificam-se os temperos e deixa-se ao lume até que tudo esteja bem cozido. Acompanha com arroz branco. Este é um dos muitos exemplos de feijoada que se fazem em Portugal. Também se faz feijoada com caça, especialmente lebre. Nas Beiras Interiores a feijoca é rainha e sempre misturada com carnes e derivados do porco. Há algumas feijoadas com marisco e, pessoalmente, não aprecio muito as de mariscos delicados como a lagosta. Há no entanto uma especial na costa alentejana e parte da costa algarvia que é a “Feijoada de Búzios”.
(Feijoada portuguesa)
s feijoadas mais famosas onde se fala a língua portuguesa são a Goesa, a de Macau, a Brasileira, e ainda a Cachupa de Cabo Verde.
Não abdicamos da utilização do feijão-frade, quente ou frio, como acompanhamento de alguns petiscos portugueses com peixinhos fritos, bacalhau em pataniscas ou pastéis, ou em salada com atum.
Atenção que todas estas sugestões saberão melhor se acompanhadas por vinho.
© Virgílio Nogueiro Gomes