Tudo parecia ser uma notícia inocente, mas doce: a apresentação dos Pastéis de Santo António, em Pernes, como marca registada na sequência de um processo organizado pela Junta de Freguesia de Pernes.

Tenho-me dedicado a descobrir e estudar as estórias associadas à história da doçaria portuguesa quer seja popular ou conventual. Quando me falaram em Pastéis de Santo António fui de imediato vasculhar às minhas fontes de doçaria conventual, tinham-me garantido que estes eram conventuais, mas não tive grande sucesso. De Santo António apenas encontrei uns pãezinhos que se fazem no Brasil! Depois também me contaram que no concelho de Almada também se confecionam. Mas a minha fonte local, o meu amigo Vicente Batalha, ilustre teatrólogo e especialista em Bernardo Santareno, confirmou-me que eram conventuais, falou-me da tradição local e contou-me a história do convento. O Convento das Congregadas da Senhora de Sant’ Ana nasceu em 1753 e encerrou em 1845, possivelmente pela extinção das ordens religiosas decretada em 1834 e os seus bens nacionalizados. Este edifício foi resgatado das ruínas pela junta da paróquia de Pernes em 1884 para aí instalar as escolas primárias que aí funcionaram até 1979. Posteriormente foram feitas grandes obras entre 1986/89 para albergar as instalações da Junta de Freguesia que deram ao edifício a configuração atual. E porque se chamam de Santo António? Sempre existiu em Pernes uma devoção especial a Santo António, primeiro pela sua capela existindo desde 1585 e depois também pelo Cenóbio que era constituído por habitações de monges cenobitas em volta daquela capela.

 

Era natural apelidar doces criados em conventos, de nomes de santos votivos do convento ou a eles associados. Santo António, de Lisboa onde nasceu ou de Pádua onde faleceu, é protetor das mulheres estéreis, das grávidas, das crianças doentes, dos órfãos, dos náufragos, dos recrutas, dos prisioneiros, dos vidreiros, dos vidraceiros e dos comerciantes de objetos de vidro. A partir do século XVII é especialmente invocado para encontrar objetos perdidos ou por mulheres para encontrarem casamento.

É pois fácil deduzir que as monjas clarissas, já com grande tradição doceira no Alentejo, e que não podiam transportar as receitas, e sabendo de cor algum receituário, criassem estes pastéis e dedicando-os a Santo António. Mas em que consiste esta receita, e que transcrevo conforme me foi fornecida no local.

Para a massa são necessários duzentos e cinquenta gramas de farinha, cinquenta gramas de manteiga, cinquenta gramas de açúcar e dois ovos inteiros. Amassam-se todos os ingredientes muito bem com a ponta dos dedos. Depois de obter uma massa homogénea, tende-se com o rolo da massa até obter uma espessura mínima. Quanto mais fina, melhores os pastéis. Corta-se a massa com um copo e com o auxílio dos dedos forram-se formas dos queques. Depois enchem-se com o creme que irei descrever a seguir. Levam-se a forno bem quente até o creme ficar tostado sem queimar. Para o creme separamos meio quilo de açúcar, cento e vinte e cinco gramas de miolo de pão (seguramente sem côdea) duro, meio litro de leite, seis gemas de ovo e quatro decilitros de água. Vamos então à preparação. Coloca-se o açúcar e a água ao lume até obter um ponto baixo (de espadana). À parte ferve-se o leite e junta-se o pão partido à mão, em pedacinhos. Depois de o pão bem embebido de leite, passa-se por um passador fino para se desfazer bem. Junta-se o açúcar em ponto e mexe-se bem. De seguida juntam-se as gemas, que se incorporam mexendo bem para não as deixar talhar. Leva-se novamente ao lume e quando começar a borbulhar, está pronto para encher as formas de massa. A receita está dada. Mãos à obra!

 

Esta receita foi preservada em famílias e em 1940, o Comendador António Ignácio da Silva Nobre assumiu divulgar a receita que se fazia em sua casa e oferece a receita ao pai do meu amigo Vicente Batalha para ser confecionada no seu Café Batalha. É este o momento importante para a divulgação da receita. Esta também divulgada pela sua governanta dona América que a forneceu a amigas que passaram a confecionar em casa e para festas. Outra data importante é 1953 pois desde o dia 15 de Agosto começaram a servir-se Pastéis de Santo António na Sala de Chá do Mouchão Parque. “Depois da sua morte a receita passou a ser do domínio público.”

Outro momento importante para esta receita foi a exibição no programa da RTP, “Caldo de Pedra”, 1979, apresentado por António Assunção, que se passava por frade, e esteve em Pernes para a reconstituição desta receita. Os textos do programa eram da autoria de Manuel Pedrosa (pseudónimo de Luis Sttau Monteiro) e teve produção e realização de Leonel Brito. Que bom rever estes programas! Durante o programa conta-se a estória de uma amiga, Dona Irene Cadima Gonçalves, hábil artesã de doçaria e destes pastéis, que dá a receita a outra. Passados uns tempos, e não tento tido notícias da experimentação, a que deu a receita perguntou à outra se tinha experimentado e qual foi o resultado. A outra respondeu que, de facto, “lhe tinha dado a receita mas que não lhe deu as mãos”! Pois é, já escrevi várias vezes sobre esta questão. A sensibilidade e os gestos não se ensinam, aprendem-se. Uma receita é como uma pauta de música. O sucesso está no executor.

Está de parabéns a Junta de Freguesia de Pernes e a sua Presidente Salomé Vieira, pela coragem e gesto nobre de divulgarem esta receita com o propósito de reinstalar a tradição de “Santo Antoninhos”, como lhes chamou Dona Irene atrás citada. Vão aguçando o apetite pois em Junho haverá concurso com grande animação.

Atualmente aceitam encomendas:

- Leonilde da Conceição Silva Oliveira TL 919 081 264

- Maria do Rosário Santos Neves Isidro TL 243 107 740

“Este doce Bolinho

Que de Pernes é tradição

Sto António é padrinho

E aquece o coração.”

“Os doces fazem as pessoas mais doces”- Provérbio turco

 

© Virgílio Nogueiro Gomes