(Os participantes nesta Expedição – Francisco Sousa, Gilmar de Carvalho, Cristina Holanda e eu) © Foto de Francisco Sousa
Há dois anos que tinha vontade de descobrir Sobral, no Brasil, depois de ter lido o capítulo “A Tradição Doce” do livro “Artes da Tradição: Mestres do Povo” da autoria do prestigiado Gilmar de Carvalho. A minha maior curiosidade, ou interesse, prendia-se com o facto de, naquela localidade, ainda se confecionarem os famosos Fartes, Fartens, ou Fartéis como são referidos na carta de Pero Vaz de Caminha anunciando ao Rei D. Manuel I a descoberta do Brasil em 1500. Doces chegados à terra de Vera Cruz antes de ser Brasil. Claro que no texto de Gilmar de Carvalho são citados outros doces de origem lusa (Alfenins, Bulins, Esquecidos, Sequilhos, Queijadinhas, Bolos de Milho, Pudim Tentador e Pão-de-ló Confeitado) mas os Fartes provocavam a maior curiosidade pelo facto de terem sido os doces embarcados nas naves que partiram de Lisboa e chegaram a estas terras e foram oferecidos às populações de índios que os aguardavam na costa, mas que parece não terem apreciado Depois, ainda, a curiosidade pelo facto do famoso bispo D. José Tupynambá da Frota (1882-1959), primeiro bispo de Sobral, ter incentivado a confeção de doçaria de origem portuguesa. Esta expedição dará oportunidade a várias crónicas, sendo esta a primeira.
Consultei várias pessoas que me desanimavam em relação à viagem. Más estradas, muito calor, hotelaria pouco qualificada, sem avião… até que este ano, em feliz conversa com a minha amiga Cristina Holanda, diretora do Museu do Ceará, me propôs apresentar o ilustre Professor Gilmar de Carvalho para melhor conhecer os pormenores dos textos que me animavam. Não demorou muito tempo para Gilmar nos propor fazer a viagem em conjunto incluindo a Cristina, buscámos conveniência de datas para esta expedição e dia 16 de fevereiro lá partimos. O grupo ficava completo com a participação de Francisco Sousa, fotógrafo, e que já tinha acompanhado Gilmar para trabalhos anteriores, e que nesta expedição teve, também, a maçadora função de dirigir o automóvel.
(S. Francisco, em Canindé)
A expedição começou com o sacrifício de levantar às 5 horas da manhã. Partimos de viagem, de Fortaleza, e parámos à entrada de Canindé, avistando a escultura de S. Francisco da autoria de Mestre Bibi. O local escolhido foi a Churrascaria e Lanchonete Jardineira onde, para além do café para nos manter despertos a surpresa foi um doce seco “Broa” que parecia um Suspiro ou uma Súplica transmontana. Menos doces que os Suspiros, e menos delicados que as Súplicas. Uma textura intermédia entre estes dois doces portugueses. Estas bolachas doces são confecionadas com goma, açúcar, clara de ovo e parecia ter erva-doce. Subimos depois à estátua de S. Francisco e passámos frente à Igreja do seu nome, e local de grande romaria religiosa.
(Broas)
Continuámos viagem até Santa Quitéria e no Posto Balança parámos para adquirir “Paçoca” que iria guarnecer o nosso almoço. Para os que não sabem, paçoca, é uma mistura de carne de sol desfiada e farinha de mandioca ou de milho e por vezes acrescida de rapadura. A paisagem começa a alterar com a possível atuação de distribuição de águas a partir do Açude de Araras. A árvore milagreira, Carnaúba, marca o nosso visual. Esta palmeira é aproveitada na totalidade para fazer artesanato, para dos frutos um óleo alimentar e a madeira do tronco para construção de estruturas resistentes. Passámos em Varjota, e dirigimo-nos a Reriutaba para o desejado almoço no Restaurante Cantinho Verde. Local agradável vindo a surpresa para as carnes assadas, tendo eu escolhido lombo de porco, carne que no Brasil tem pouco sucesso e nós, portugueses, damos muito relevo. Do porco aproveitamos tudo da ponta do focinho à ponta do rabo. Claro que juntei a “Paçoca” adquirida anteriormente e, de facto, era de uma leveza extraordinária quando comparada com outras poçocas que já tinha comido. Vários autores estrangeiros se têm referido a esta especialidade. A definição mais apropriada parece-me a de W. Eschwege: “Particularmente nos sertões, serve-se um prato muito nutritivo e de longa conservação – a “paçoca”. É carne de boi gorda e seca, assada no espeto e, depois de misturada com farinha, pisada num pilão de madeira, demoradamente, até que a carne seja triturada, e sua gordura perfeitamente infiltrada na farinha”. O melhor, é vir aqui experimentar e comer!
(Paçoca)
(O meu prato com lombo de porco, carne guisada, paçoca, abóbora, salada e fruta)
Bem almoçados, seguimos para Guaraciaba do Norte para descobrir mais um elemento da alimentação, de base, que é a Pamonha.
(Em Guaraciaba)
Possivelmente é um alimento oriundo das populações indígenas, e feito à base de milho. A curiosidade deste local consiste na preparação do creme dentro de um saco plástico e que depois se conserva nesse involucro. Pode ser doce ou neutra, sem açúcar. Começa por tirar os grãos de milho da massaroca. Depois são triturados e adiciona-se água e açúcar (ou não) e faz-se a mistura em batedor. Obtida uma massa uniforme faz-se o enchimento dos sacos de plástico que se levam a cozer em água bem quente. Deixa-se arrefecer e serve de complemento para acompanhar pratos, ou doce para sobremesas. Esta produção é praticamente artesanal, e confirmei a qualidade elevada do produto final.
(Massaroca de milho)
(Misturador)
(Ensacamento da pamonha)
(Cozedura)
Daqui partimos para São Benedito e lamentavelmente apenas assistimos ao desmanchar da feira tradicional. Seguimos por Ibiapina, Tianguá, começa a chover e chegámos a Viçosa do Ceará debaixo de uma chuva violenta. Estórias de Viçosa na próxima crónica.
BOM APETITE!
© Virgílio Nogueiro Gomes