Há surpresas que sabem bem. Desafiado, pelo meu Amigo Gonçalo dos Reis Torgal, para almoçar e comer uma cabeça de peixe, eis-me ao volante a caminho da Praia de Pedrógão, local que não me lembro de alguma vez ter visitado. Saído de Lisboa até à Marinha Grande, depois Vieira de Leiria mais uns quilómetros e estamos na Praia de Pedrógão. Como tenho o hábito de chegar antes da hora marcada, tive tempo de ir à praia e ver a arrumação e reparação das redes de pesca, e facilmente perceber que aquele local terá sido inicialmente um bairro piscatório e desde meados do século passado, transformado num local de veraneantes e mesmo um local de residências secundárias. Há registos de centro piscatório desde o século XIX. Aquilino Ribeiro notabiliza este local no seu livro, que iniciou a escrever em 1922, “A Batalha sem Fim”. Como o dia estava ventoso, e bandeira vermelha, fez-me lembrar as primeiras praias que conheci, Leça da Palmeira e Póvoa de Varzim. E o dia estava parecido como muitos daquelas praias para as quais se levava sempre um agasalho pois quando não havia nortada de manhã, decerto que havia à tarde.
Tive tempo ainda para ir ao mercado local, e com a abundância e variedade de peixes frescos, pedi autorização para fotografar. Quase a chegar ao fim uma peixeira reclama que só fotografava os peixes, e elas? Afinal só uma queria ser fotografada. Recebi ainda outra reclamação, pergunta, para saber porque é que só fotografava os peixes e não a fruta que aquela vendedeira vendia. Airosamente lá saí do mercado.
Era então o tempo de cumprir o horário. De forma muito hospitaleira, como é seu hábito, fui recebido em casa e iríamos para o restaurante que nos esperava para comermos uma cabeça de peixe cozida. Cedo aprendi o ritual de comer esta parte do peixe, abandonada por tanta gente. No meu tempo de criança, e em Zamora, eram famosas as cabeças de pescada de Vigo. Há uma forma de, gradualmente, desmanchar a cabeça e, depois, retirar cuidadosamente os pedaços de carne que muitas vezes estão escondidos. E ainda, retirar as partes gelatinosas que estão agarradas a alguns ossos, sim não são espinhas. A textura da carne é variada segundo a sua localização. As partes que mais aprecio são aquelas que correspondem às nossas bochechas, e as de suporte ao maxilar inferior.
Chegámos ao restaurante Rotunda Mar, aberto em 1994, também conhecido pelo restaurante do Victor, nome do proprietário, que já nos esperava. O meu amigo levou uma curiosidade vínica: um vinho branco seco das Canárias, Arautava, Listán Blanco que cumpriu bem a sua missão. Para entradas colocaram na mesa um prato de espargos, e outro de pimentos curados, além de variedades de pão onde sobressaía uma gostosa broa de milho. Depois de uns minutos eis que começa a mesa a ser preparada para receber uma grande travessa onde vinham duas cabeças de peixe, com dois ovos cozidos. Noutra travessa vinham batatas, cenouras e feijão-verde cozido. Iniciámos o ritual. Cada um com sua cabeça. Gestos semelhantes, formas de abrir e preparar a cabeça. E lá fomos, devagar pois mais importante que a cabeça do peixe era a nossa conversa. É pena que este tipo de almoços conviviais se perca. O nosso almoço era para comer mas também para conversar. E eu que sempre aprendi muito, e continuo a aprender com o meu anfitrião. Claro que me portei muito bem, por delicadeza, e comi com talher de peixe. No final questionei o proprietário do restaurante sobre a utilização destes talheres, e manifestou que a maioria da clientela prefere talher único, o de carne. Como eu os entendo! Para terminar, e como tenho este vício que não gostar de ficar com boca de pobre, comi um pudim da casa que se apelida em muitos locais, também, de francês, que estava bom, exceto a dimensão que era exagerada. Mas comi até ao fim. Um belo almoço com uma conversa animada e muito prazeirosa.
Quando voltar à Praia de Pedrógão, decerto me vai apetecer voltar a este restaurante. Acresce que o serviço é muito agradável e, talvez por isso, vá ser galardoado dia 29 de setembro em Guimarães pela Confraria Panela ao Lume.
Despeço-me do mês de agosto com esta crónica.
Bom Apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes
Restaurante Rotunda Mar
Praia do Pedrógão
2425 Coimbrão – Leiria
TL 244 691 118 e 918 663 223 - Encerra 2ª feira de outubro a maio