Joaninhas

Após todos os folguedos de Carnaval e, por vezes, os seus característicos exageros de prazer guloso, volto à doçaria, não popular, mas que se popularizou em Cascais. Faz agora quase um ano que comecei a interessar-me por este doce e tentei encontrar as suas origens. Informações nem sempre coincidentes levaram-me a atrasar a publicação desta crónica. Citei atrás que não é doçaria popular pois, para mim, há uma característica que separa a doçaria popular da conventual ou rica que é a quantidade de açúcar que é dominante na segunda categoria, enquanto na popular domina a farinha. Mas esta matéria será alvo de uma próxima crónica.

Começando, então com as “Juaninhas” que também encontrei escritas “Joaninhas”, não sei se terão algum antecedente relacionado com alguma Joana. As histórias que me foram contadas devem-se à procura que a minha amiga Paula Brito Nunes tem feito sobre a doçaria de Cascais. Mas também, com esta designação, não encontrei nos registos conhecidos da doçaria conventual. Encontrei sim uma edição feliz, da Câmara Municipal de Cascais, com as obras de Alberto Pimentel (1849-1925) onde descreve a vida social, com algum humor e sarcasmo, no qual lista a doçaria que se encontrava em venda em Cascais. No livro “Sem passar a Fronteira”, 1902, e nessa lista surgem as”Juaninhas” vendidas na pastelaria “Antiga Casa Faz-Tudo”, entre muitos doces alguns, também, populares como as “Areias” ou as “Pratas” e muitos outros de origem conventual. Não descobrindo a origem destas “Juaninhas”, encontro-lhes semelhanças com alguns doces como os “Queijinhos de Hóstia” do Alentejo, “Queijinhos de Ovo e Amêndoa” de Azeitão ou de Cascais, ou ainda os “Queijinhos de Amêndoa” do Algarve. Nalguns casos só a forma final é diferente. Temos ainda uma composição semelhante apenas substituindo a amêndoa por coco, que são os “Quindins” do Brasil, e estes também em versão “Quindão” e depois cortado às fatias.

Mas vejamos a sua confeção, na qual apenas se usa açúcar, ovos e amêndoas. Leva-se meio quilo de açúcar, com um pouco de água, a um ponto baixo (de fio ou de cabelo). Juntam-se metade daquele peso de amêndoas peladas e raladas, envolvem-se muito bem e retira-se do lume. É agora tempo de juntar seis gemas de ovo e duas claras, tendo o cuidado de misturar bem sem deixar cozer os ovos ou ficarem em farripas. Volta ligeiramente ao lume e depois coloca-se esta massa num tabuleiro ligeiramente barrado com manteiga. Vai a forno lento e baixo. Quando a massa estiver cozida retira-se do forno, desenforma-se cautelosamente para não partir e com uma faca fina cortam-se as “Juaninhas” conforme se vê na foto. Pequenos dedos de quatro a cinco centímetros de comprimento por um centímetro de largura. Consta que por vezes, e antigamente, eram polvilhados com açúcar pilé antes de servir. Também seria hábito colocar as “Juaninhas” em forminhas de papel. A propósito desta receita, e outros onde o açúcar abunda, há uma tendência para reduzir a sua quantidade. Eu oponho-me a essa tendência, afirmando uma vez mais, preferindo não alterar a receita e servir-me de apenas uma parte da “dose” e complementando com uma fruta, ou um elemento menos doce.

Parece que a atual receita seria originária da Antiga Fábrica de Bolos de Cascais que era do Senhor Abdílio Maria, que teria tentado confirmar a origem conventual através dos seus herdeiros, sendo amigo de uma professora do Instituto de Odivelas, local onde funcionou o famoso Mosteiro de Odivelas, de onde saíram obras doceiras ainda hoje consumidas e bem referenciadas. A receita terá sido herdada pela “Antiga Casa Faz-Tudo”, que posteriormente vendeu a receita. Aqui ficam os mistérios não completamente desvendados da passagem desta receita. Importante é que é um doce de encanto.

Como sobremesa, ou para o chá, estas “Joaninhas” saberão melhor acompanhadas por um bom generoso português.

juaninhas

© Virgílio Nogueiro Gomes

As “Juaninhas” das fotos foram confecionadas por:

Restaurante PAULINHA

Rua Alexandre Herculano, 72 - Cascais