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Um dos elementos diferenciadores da doçaria conventual para a doçaria popular é que esta utiliza sempre, na receita, mais farinha do que açúcar. O açúcar era um produto de elevado preço o que levou vários reis a legislar para reduzir o seu consumo. Depois de passar por ser um fármaco, e ainda hoje se utiliza beber água açucarada para acalmar os nervos ou açúcar direto para eliminar a azia, o seu aparecimento em grande quantidade só surge em meados do século XVI depois do estabelecimento do primeiro engenho no Brasil. As experiências de produção no Algarve e na Madeira não garantiram uma produção capaz. Mesmo assim o açúcar vindo do Brasil continuava a ser a preço muito elevado. A doçaria popular era confecionada com melaço, muito embora os árabes que estiveram na Península Ibérica já tivessem açúcar, apenas ficaram alguns que o poderiam vender em feiras.

Apesar de muita gente não considerar as “Areias” como doçaria popular eu assumo essa classificação. Curiosamente, Alberto Pimentel (1849-1925), no seu livro “Sem passar a Fronteira”, publicado em 1902, no capítulo dedicado a Cascais, faz uma descrição muito curiosa sobre o panorama doceiro desta vila. A certa altura refere que “A feição moderna da calçada da Assumpção salienta-se n’uma taboleta, que annuncia a mais elegante das industrias locais, a de guloseimas destinadas a lisonjear o paladar de pessoas finas, que só comem bolos, por não serem bastante nutritivas as flôres, de que por galanteria desejariam alimentar-se.” Esta tabuleta indicava a Antiga Casa Faz- Tudo, citada como uma pequenina loja de confeitaria. A lista de doces é surpreendente e entre a maioria de doces conventuais surgem-nos as “Areias”, as “Argolas” e “Palitos” com características mais populares. Concretamente mais adiante, refere-se à “…areia pode parecer ridículo pelo nome, pois que no calão moderno – areia – significa toleima, mas não deixa de ser próprio de uma praia, onde, de mais a mais, há um pouco disso…”. Para quem já leu Alberto Pimentel não estranha o sentido de sátira social que imprime a muitos dos seus escritos.

Voltemos à nossas “Areias”. Em conversa com Paula Brito Nunes, do Restaurante Paulinha, em Cascais, contou-me da sua herança de saberes culinários que as “Areias” eram um doce caseiro que teria dois tamanhos, grandes e pequenos, e duas receitas, com manteiga e com banha. Os originais deveriam ter sido os confecionados com banha, feito pelas famílias de pescadores e daí a sua origem popular. Antigamente a palavra “areia” quereria significar “tolo”. Curioso é confirmar que a receita da nossa ilustre Maria de Lourdes Modesto também apresenta a receita com banha.

Vamos então à receita. Precisamos de açúcar, farinha, manteiga ou banha, raspa de casca de limão e canela e açúcar pilé a gosto. Sobre uma mesa de pedra (viva o luxo) coloca-se a farinha e o açúcar. A farinha será sempre o dobro do açúcar. Aceitemos meio quilo de farinha e duzentos e cinquenta gramas de açúcar. Abrimos um pequeno espaço para colocarmos a gordura, que para esta receita será de trezentos a trezentos e cinquenta gramas, e a raspa da casca de um limão. Lentamente, e com as mãos, vamos amassando até incorporar bem a gordura. Quando tivermos uma massa uniforme, preparamos um tabuleiro de ir ao forno que barramos com a mesma gordura e polvilhamos com farinha. Com as mãos fazemos pequenas bolas com a massa e ajudados com farinha para não pegar, que colocamos no tabuleiro. Antes de ir ao forno, médio que as areias não devem escurecer, há quem goste de polvilhar com açúcar pilé e canela. É só deixar cozer. Fácil, e nosso.

Já experimentei com as duas gorduras. O produto final é idêntico mas conservam melhor quando confecionadas com banha.

Se não quiserem experimentar, descubram a pastelaria que faz as melhores “Areias”.

Boas Férias com guloseimas portuguesas.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Agosto 2011

As “Areias” da foto foram confecionadas pelo Restaurante Paulinha, Rua Alexandre Herculano, 72 em Cascais.