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Tenho que avisar, logo no início do texto, que sou um fã do arroz, e é produto de que não abdico no quotidiano. Posso ficar uns dias sem batatas mas o arroz faz-me sempre falta. E depois é um produto tão versátil, tão domável, que pode ir da primeira à última iguaria de uma refeição. Salgado e doce. Símbolo de fertilidade e alimento de divindades. 
Habituámo-nos a sentir a origem do arroz no Oriente. No século 3 AC temos notícias da extensa cultura de arroz na China. Consta que terá sido durante as campanhas de Alexandre o Grande que o arroz terá sido trazido para a Grécia na altura que o grande império dominou uma grande parte do mundo. Acontece, no entanto, que o seu consumo se terá limitado à Europa Central. Segundo Barbara Danusia o arroz terá surgido na Índia, país onde ainda hoje é a base da alimentação. Curioso é referir que o famoso escritor e sociólogo brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987) tenha afirmado, depois de uma viagem ao continente indiano, que em Goa tinham uma alimentação muito rica pois a sua dieta era constituída por duas refeições de arroz e uma delas também com um caril de peixe. De facto, no Oriente, arroz é sinal de alimentação, de vida e por isso é também um dos símbolos de fertilidade. Naturalmente é essa a razão porque se lança arroz ao cortejo nupcial, à saída da cerimónia que uniu um casal.
Há referência à existência do arroz no tempo de Dário quando este dominava a pérsia e a Mesopotâmia no século V A.C.. O arroz terá também chegado à Europa através da expansão do Império Otomano  e com as Repúblicas mercantis da actual Itália.
A Península Ibérica, assim como a França e a Itália, deve o consumo de arroz aos Mouros que a partir do século VII/VIII, e por isso a designação que o arroz tem em Espanha e Portugal parece ser dessa origem (ar-ruz), muito embora esse termo não esteja registado nos “Vestígios da Língua Arábica em Portugal” de Frei João de Sousa.
A produção de arroz apenas se encontra assinalada no reinado de D. Dinis (1279-1325) que incentivou o seu cultivo em simultâneo com o impulso de numerosos trabalhos de drenagem de terrenos alagadiços. É a partir deste tempo que o arroz se transforma em alimento das populações dado que até agora era alimento de ricos. No entanto, no tempo de D. Dinis, apenas temos a citação de arroz através da sua farinha para a confecção do famoso manjar branco. É o físico da Corte, Arnaldo de Vilanova, a quem se atribui essa referência. O manjar branco também é já referido nos conventos de Reus no século X, iguaria que os franceses também reivindicam oriundo também de conventos na região do Languedoc. Esta confecção, com farinha de arroz, mantém a sua popularidade e obrigatório em qualquer banquete medieval e da Renascença. 
Só no século XVI parece que o arroz se terá tornado mais popular com a venda de arroz-doce, por mulheres nas ruas de Lisboa.
Quando em 1563 Garcia da Orta publica em Goa o livro “Colóquios dos Simples…” cita em várias circunstâncias o arroz. O Conde de Ficalho na sua obra “Garcia da Orta e o seu Tempo”, 1886, refere que uma das qualidades de Antónia, sua “cozinheira, peritíssima na sua arte, sabendo fazer…, o caldo com arroz, ou canje, …”. Mas Garcia da Orta, no Colóquio 58º, em conversa com Dimas, fala de arroz. Permito-me transcrever em português actual as duas falas: Dimas – “Do arroz que comemos, vos quero dizer que vem de Jaoa a Malaca um arroz que chamam pulot, o qual cozendo-se somente com o vapor de água, apega-se tanto às mãos e é tão húmido, que parece ser cozido com manteiga.” Garcia da Orta responde: “Do primeiro efeito não me maravilho, que é de ser cozido com o vapor, porque do outro arroz acontece o mesmo aos que vão a Portugal, cozendo-o da mesma maneira com água salgada, por falta da doce: mas esse outro, que é de ser manteigoso e húmido, nunca o experimentei, porque não sou muito amigo de arroz.” Ora estamos perante a confirmação de várias qualidades de arroz, sabendo que em Java há pelo menos 42 variedades.
Sabemos, no entanto, que já em 1587 havia arrozais no Estado da Bahia, e muitas mais referências no século XVIII por todo o Brasil. Há registos do envio de barris de arroz que vinham directamente do Brasil para as despensas reais. A partida da família real para o Brasil em 1808 permitiu que se abastecesse directamente e D. João VI autoriza a distribuição de arroz ao exército 
Inicialmente o arroz terá sido assumido como uma guarnição alimentar como foi o pão. Só mais tarde o arroz entra na culinária e se constitui um alimento versátil e capaz de ser a base de uma sopa ou entrada, peixe, carne e até sobremesa.
Estão identificadas várias qualidades de arroz e vão vou ser exaustivo nas suas definições. É no entanto o carolino aquele que mais se ajusta às tradições portuguesas. Há também várias fórmulas de classificação sendo que em Portugal, onde abunda o de grão longo, o podemos subdividir em “estreito – agulha (Indica) e o oblongo – carolino (Japónica)” segundo o Centro Operativo e Tecnológico do Arroz, para o qual a nossa ilustre Maria de Lourdes Modesto organizou um excelente conjunto de receitas.
Encontramos a primeira citação de arroz em receituário português no caderno de receitas da Infanta D. Maria (1538-1577), logo na receita inicial do Caderno dos Manjares de Leite: Manjar-branco. Aqui o arroz é transformado em farinha que dará consistência ao doce. A seguinte é Tigelada de leite que apresenta uma variação para fazer a tigelada de arroz cozido com o leite e que poderá ter dado origem ao actual Arroz-doce. A terceira receita Beilhós de arroz, que se trata de uma receita muito semelhante a bolinhos de arroz fritos que se confeccionam no Norte durante as festividades natalícias.
A Infanta casou com Alexandre de Farnésio, 3º Duque de Parma, e possivelmente quis levar consigo algumas das receitas que mais gostaria de comer na Corte Portuguesa. Estas receitas viajaram e encontram-se actualmente na Biblioteca Nacional de Nápoles. Não sabemos quem as terá utilizado, ou lido. Curioso é descobrir no manuscrito “Il Panuto Toscano”, depois transformado em livro, escrito por Francesco Gaudenzio (1648-1733) e nascido em Florença onde fez o noviciado na Companhia de Jesus, um preciosismo connosco relacionado. Depois do noviciado partiu para Roma passando por quatro dos mais famosos conventos onde se dedicou sempre à actividade de cozinheiro apresentando uma receita de arroz à portuguesa (Per far il riso alla portughese). Ora não é mais do que o nosso melhor Arroz-doce. Será que Francesco Gaudenzio teve acesso às receitas da Infanta, ou terá comido aquele arroz-doce e aprendido a receita? Ora vejam a receita com tradução livre de minha autoria: Para vinte pessoas tomar uma escudela de arroz e um bom jarro de leite, por o dito arroz bem lavado e limpo no leite a ferver e fazê-lo cozer a fogo lento misturando-o até engrossar, e próximo do fim da cozedura por uma libra de açúcar; quando estiver cozido misturar dez gemas de ovo batidas bastante bem com água de cheiros (rosas) e incorporar no arroz deixando ficar um pouco ao lume e mandar para a mesa com canela por cima. Não alterei a pontuação do texto original. É fantástico como se identifica naquele tempo e naquele local, uma especialidade à portuguesa. O trabalho de investigação deste manuscrito deve-se ao culto elemento da Academia de Cozinha de Itália, Guido Gianni, que comigo partilhou este seu trabalho. Apetece perguntar a quem quer ser corajoso e voltar a usar água de rosas. Claro que se aromatiza, também, com casca de limão mas o gosto resulta diferente.
Voltemos ao arroz sempre presente. No receituário português aprendemos a utilizá-lo em todas as categorias. Para começar com as sopas. E em particular na canja. Muito embora na canja também se possa utilizar massinhas, parece-me que sempre que isso acontece, a designação deveria ser canja com massinhas. Porque a canja, na sua origem, era uma sopa rala de arroz. Por isso a tradição manda que seja o arroz. Nada impedindo que a canja com massinhas seja um prato bom e agradável.
Mas temos muitas outras sopas que se completam com arroz. Ainda no início da refeição, e sobretudo em buffets, são servidas saladas frias nas quais entra também o arroz cozido mas frio.
Mas os Portugueses foram hábeis a confeccionar arroz de guarnição com vegetais ou leguminosas. Temos arroz de tomate, de feijão verde, de cogumelos variados, de ervilhas e ervilhas tortas, de grelos, de espigos, de pimentos, e ainda de feijão de todos os tipos. Ainda arroz de chouriço e até de salpicão.
Na categoria de peixes não podemos esquecer a nossa grane tradição dos arrozes malandrinhos bem característicos no Norte e que descem pela costa. Atenção sempre o arroz carolino. Habituámo-nos a comer arroz de peixes variados, de bacalhau, de línguas de bacalhau, de lingueirões, de polvo, de lampreia e de mariscos vários. Depois obrigamos o arroz a acompanhar carapaus fritos, filetes de pescada, pataniscas de bacalhau, … e tantos outros.
Quanto às carnes a escolha não é mais fácil. Para além do Arroz de Pato, ultimamente tão confeccionado, temos o nosso grande sucesso com as cabidelas de galinha. Nunca esquecerei, também, um excelente arroz de vitela que uma vez comi em Marvão. Mas faz-se também de frango com carqueja, de golada, da matança, de perdiz, de coelho e tantos outros.
Sem esquecer os famosos buchos recheados com arroz.
No capítulo de doces a glória vai em directo para o arroz doce nas suas variantes, com mais ovos ou menos ovos, e sempre com canela a enfeitar.
Em relação a especialidades de outros países temos o exemplo da paella de Espanha que se transformou num ícone mundial. E ainda os risottos de Itália que levaram esta designação adoptada a outras confecções de arroz composto e que hoje saem da matriz do verdadeiro risotto italiano. Isto só acontece pela versatilidade de utilização do arroz. Ainda em Itália descobrimos uma identificação do arroz à Milaneza em 1574.
Em Portugal temos uma prática, quase de imposição do Norte, em relação à guarnição de pratos, muitas vezes, simples: é o arroz e batata frita. Sem querer ser moralista dos prazeres de cada um parece-me que se deveria ser selectivo e compor o prato com batata frita, ou arroz, sem os por em simultâneo.
Viva o arroz, e força com o nosso carolino.

BOM APETITE
© Virgílio Nogueiro Gomes