A Colher

 

 

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A colher é o elemento do conjunto dos talheres o mais fascinante. Pela sua simplicidade e variadas utilizações é, seguramente, o primeiro elemento a que nos habituamos desde crianças. Em arrumações caseiras dei-me conta de uma coleção de colheres que utilizarei para ilustrar esta crónica, e que penso em breve disponibilizar em espaço de visita pública. As colheres de pau, que continuam com muita importância na cozinha, ficarão para outra oportunidade.

Segundo Pancracio Celdrán: “… a colher aparece na História numa época relativamente tardia. Isso deveu-se ao facto de se tratar de um objeto que requer uma certa sofisticação. A colher nasceu com a vida sedentária, quando o Homem descobriu as vantagens da agricultura e da pastorícia. É uma artigo civilizado.”, em História das Coisas, 2000.

Gosto muito de consultar dicionários ou publicações semelhantes. No livro Do Comer e do Falar, de Ana Marques Pereira e Maria da Graça Pericão, 2015, podemos ler para a entrada Colher: “Utensílio usado na cozinha e na mesa provido de um cabo e uma parte côncava destinado a levar alimentos, feito de metal, madeira, plástico ou outros materiais, com feitios mais ou menos elaborados, consoante o fim a que se destina.; no Algarve é também chamada baldeadeira.” Um pouco mais antiga encontramos a definição no Diccionario da Lingua Portugueza, de Antonio Moraes Silva, 1831, que transcrevo: “Instrumento de metal, ou pau, concavo, com cabo, de comer, mexer guisados, etc.”. Parece fácil, mas não explica a sua origem. Temos de procurar noutros manuais.

 

 

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Colheres a café de coleção, decorativas

Voltando a Pancracio que nos explica que a colher poderá ter mais de 20000 anos, e pode ter surgido durante o Neolítico, e que foram os egípcios que “generalizaram o seu uso.” Algumas colheres foram encontradas nos túmulos colheres de marfim, de pedra, de madeira e de ouro. Também do Egipto nos chegaram colheres artísticas com o cabo esculpido como verdadeiras obras de arte. Este capítulo ainda continua pois encontramos o que se chama de “colheres decorativas”, como veremos numa foto, resultado de uma coleção.

Na Grécia Antiga já se distinguiam bem as colheres das classes altas, em ouro, de prata e de marfim, e as da população que teria colheres de bronze ou de madeira. Em Roma adquiriram outra forma sendo as de mesa com o cabo pontiagudo que serviria para comer marisco, ou “quebrar os ovos”.

 

 

 

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Colheres para cremes ou papas de bébés

 

Segundo Pascal Reigniez, no livro Histoire des Couverts, Actes Sud 2024, considera a colher é um objeto simples e a evolução da sua confeção evolui especialmente dependendo dos materiais. Assim desde “origem animal (conchas, ossos, marfim…); vegetal (folhas, madeira, bambu, coco, cabaças…); depois minerais (pedra, argila, terra cota, porcelana…) e enfim em metal (bronze, ferro, prata, vermail, ouro…).  Todos nós já utilizámos colheres de várias origens e atualmente a fatal plástico e de novo de origem vegetal os talheres recicláveis e amigos da Natureza. Assistimos que os materiais são identificados com as classes sociais ou com a função da refeição, ou em banquete ou sem serviço volante. A utilização de prata para os talheres afirma-se a partir do século XVIII, especialmente em França, período durante o qual também se parecia impor o uso de prata, para determinadas preparações, em pratos e travessas e ainda outros utensílios de cozinha para preparação de doces. A partir do mesmo século veio criar-se a moda de disponibilizar faqueiros completos em prata, que ainda hoje se mantém.

 

 

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Colheres para retirar picles, azeitonas, alcaparras,   dos líquidos

As primeiras colheres descobertas pela arqueologia situam a sua existência “entre 4200 e 2040 antes de JC”, e foram encontradas em ambientes funerários. Refere-se à famosa colher de Fontalès, feita de osso de rena e a concavidade é de pouca profundidade. Outras colheres foram recolhidas, da antiguidade, e em bom estado de conservação, datadas de 2669 a 2592 A. C., no sítio arqueológico de Charavines, no lago Paladru em Isère (França).

Já na Alta Idade Média encontramos colheres pequenas, de coleção, e confecionadas em metais preciosos como prata e ouro, também conhecidas como colheres-joias. A partir do século XV igualmente se faziam colher de prata, ou a colher de Santo, com o cabo esculpido com a simbologia do santo padroeiro da pessoa a quem se oferecia a colher, especialmente a crianças para o seu batismo.

 

 

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Colheres para açúcar

A colher veio revelar-se como o mais importante talher de mesa, não só como objeto individual de consumo como também objeto de serviço para várias iguarias. A colher deu origem a várias “conchas” de serviço sendo uma das principais a colher/concha de servir sopa. Apesar de habitualmente o material usado é o metal, também no século XIX encontramos em Inglaterra conchas de servir sopa, em porcelana. Mas a colher para serviço de alimentos adquire vários tamanhos, para servir a partir de travessas, ou outros pratos grandes. Possivelmente a colher mais habitual é para comer sopa e outra muito semelhante para comer papas. Mas temos colheres de vários tamanhos também para acompanhar o café ou o chá, como temos colheres de cabo maior para refrescos. Temos colheres de sobremesa, colheres para fruta, colheres para gelados sem esquecer a colher/bola para servir os gelados. Mais colheres para servir molhos, colheres instaladas com as cremeiras e ou mostardeiras, e colher para compotas. E em especial as colheres para retirar alimentos, escorrendo os líquidos onde se conservam, como por exemplo azeitonas, alcaparras ou picles. Mais invulgar foi o aparecimento de colher de sopa para bebés, moda do século XIX e que se manifestou com muita utilidade. Ainda como raridades encontramos colheres para comer ostras, comer ovos e colheres para filtrar absinto.  muita imaginação para criar colher para o açúcar, tipo pás.

 

 

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Colher sopeira em porcela inglesa século XIX

A colher será, pois, um elemento fundamental da alimentação e podemos encontrar em várias regiões do globo a sua prática como no Magrebe e várias zonas da América Latina. Não podemos esquecer o provérbio de utilização corrente: “entre marido e mulher não metas a tua colher”, que não precisa de explicações. Ou ainda “ser de colher ferrugenta”, significando ser difícil.

Mas a colher também dá o nome a algumas confeções de carne como “carne de colher” que o chef José Avillez tão deliciosamente serve. A carne deve estar tão bem confecionada, e macia, que não necessita de faca para ser cortada.

 

 

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Colher para manteiga com a concha em madeira

Quem quiser saber mais ou descobrir mais tipos de colher sugiro uma consulta ao livro Le couvert & la coutellerie de table française di XIXè siècle, de David Allan, publicado por Editions Faton, Dijon, 2007. Encontra-se um exemplar para consulta na Biblioteca Gastronómica da ACPP, rua Santana à Lapa, 71A em Lisboa.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

 

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Possivelmente a primeira concha/colher natural