Baba

 

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Se há doce ao qual não consigo resistir é o Baba. Raramente se encontra como sobremesa em restaurantes, mas há pastelarias cuja presença é tão atrativa que por vezes o faço de sobremesa às refeições pela gulodice final do Baba (não esquecer que há algumas pastelarias nas quais se fazem boas refeições). Muitos dizem que é um doce de lanche ou para acompanhar o chá. Pois eu tenho uma perversão em relação a este doce e, algumas vezes, vou almoçar ou jantar a locais que têm Babas, para me consolar. Este meu apetite tem-me levado a crer conhecer a história do seu aparecimento em França, e depois divulgado para o mundo.

Há muitas referências, especialmente no século XIX, em livros de cozinha e de pastelaria franceses, apesar de a sua origem ser geralmente atribuída à Polónia ou ao seu rei Stanislas Leszczynski, quando se exilou em França e que também era duque da Lorraine e de Bar. Consta, no entanto, que o primeiro local em Paris a divulgar os Babas terá sido a casa Stohrer na rua de Montorgueil 51, em Paris. Nicolas Stohrer foi pasteleiro em Lunéville e acompanhou a vinda de Marie Leszezynska quando esta casou com o rei Luis XV de França, 1725, tendo-se estabelecido com a pastelaria Stohrer, em 1730, na qual o Baba era uma atração.

Possivelmente a primeira receita, entre nós, Portugal, foi a de João da Matta, no livro Arte de Cozinha, com primeira edição em 1876, “Babá Polonais”. Faz uma massa com farinha, fermento de cerveja, sal, açúcar, uvas passas de Corinto e de Alicante sem sementes, cidrão, creme feito de leite, ovos, vinho da Madeira e manteiga. E depois dos ingredientes menciona o modo de fazer, não ficando ensopado como hoje o conhecemos, e seria um bolo para cortar à fatia.

No ano seguinte, 1877, Paulo Plantier publica o célebre livro O Cozinheiro dos Cozinheiros. No índice assinala uma receita de “Baba” e depois na página respetiva apresenta uma receita de “Bobas ao natural”, possivelmente com uma gralha tipográfica, que se repete. Para a massa “Prepara-se… como a dos bolos sovados, mas deixando-a mais líquida.”  A massa deve ser acrescentada com “uva moscatel e de Corinto, misturadas e picadas, com um pequeno bocado de cidrão em doce, e uma colher de chá de açafrão em pó.” Em parágrafo separado pode ler-se: “A boba com rhum, kirsch ou vinho da Madeira, faz-se do mesmo modo, misturando na massa um ou dois copos pequenos d’esses licores.”

Em Portugal encontramos uma referência importante a Babas com uma receita de “Babá polaco” de Carlos Bento da Maia no livro Tratado Completo de Cozinha e Copa, 1903, que começa por identificar as mercadorias, doze, para uma confeção complexa. Resumidamente junta farinha com ovos e levedura de cerveja. Depois água, açúcar e manteiga.  Jantam-se de seguida uvas passas, leite creme e água de açafrão para dar cor. Ainda se junta vinho da Madeira sem especificar quando.

Também Agarena de Leão, no livro A Cosinha Familiar, 1924 ou 1926? encerra o livro com uma receita de Babá. Receita idêntica às anteriores, junta uvas passas de Corinto e Esmirna e termina: “Desenforma-se depois para um prato, rega-se com rhum e serve-se.” Neste caso o bolo já é ensopado no final.

 

 

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Depois, com duas receitas: “Baba à Alexandrina” e “Baba à Polaca”, de Manuel Ferreira no livro A Cozinha Ideal, com primeira edição em 1933. De referir que esta obra foi a primeira destinada aos profissionais de cozinha e de pastelaria. Para a primeira massa, depois de cozida,” enxaropa-se com calda de açúcar com rum.” Para a segunda “Coze-se a massa baba em formas cilíndricas untadas e enxaropa-se com calda de açúcar com limão e pau de canela. Serve-se regada como molho Saboião com Kirsch.” Para a Massa de Baba usa-se farinha, fermento em pasta, açúcar, manteiga, sal, ovos e leite. Acrescentam-se em pates iguais passas de corinto e de cidrão picado, 150 a 200 g para cada um dos elementos, e para 1 kilo de farinha.

Depreendemos que o Baba até esta época era um bolo grande, ensopado ou não, e também a utilização de vinho da Madeira que, como veremos, era também um dos vinhos do século XIX em França. Saltando para o século XXI, em 2009 é publicado o livro Doce Lisboa, de Clara Azevedo e Chimeno Garrido, com uma receita de baba e respetiva foto com um modelo idêntico ao que encontramos nesta época nas pastelarias portuguesas, recheado com natas montadas ou creme Chantilly, e ensopado com rum. Também o livro Fabrico Próprio, de Pedrita (Rita João e Pedro Ferreira) e Frederico Duarte, 2008, cujo definição transcrevo:” Também conhecido por Baba au rhum, a criação deste bolo é atribuída ao rei polaco Stanislas Leszczynski, duque da Lorena no século XVIII. Segundo a lenda, o duque gostava de ensopar o seu Kugelhopf (bolo lêvedo tradicional da Alsácia, Baviera e Silésia com frutos secos e passas) em rum e xarope de Málaga, e de lhe pegar fogo para seu divertimento. Amante das «Mil e Uma Noites», baptizou este bolo de Ali Babá. Após a morte do duque, o seu pasteleiro estabeleceu-se em Paris e comercializou a criação do seu mestre, baptizando-o apenas de Babá.” Apresenta em foto como bolo individual, e recheado com creme Chantilly. Estranho nas receitas portuguesas a eliminação do vinho Madeira! Como curiosidade informo que na coleção do Palácio Ducal de Vila Viçosa, e incluídos no livro Menus da Família Real, 2019, surgem 18 Babas em refeições. Destes 18 são 8 com Madeira, 6 sem menção do vinho, 1 com Ananás, 1 com Kirch, 1 com Rhum e 1 com Abricot.

Quando consultamos o Dictionnaire de la Gourmandise, de Annie Perrier-Robert, editado por Éditions Rober Laffont, 2012, a primeira entrada para a letra B é Baba e à qual dedica quatro páginas! Para definição genérica escreve: “Bolo redondo e maciço, em massa levedada adicionada de uvas passa e embebida, depois de cozedura, de um xarope de punch (de açúcar com rum) – quando o bolo arrefece é mergulhado num xarope quente, ou o inverso. Alguns embebem-no com um copo de Vinho da Madeira ou do Porto.”  Ora é esta referência aos nossos vinhos que me obrigam a citar a tradição francesa.

 

 

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Vejamos a evolução dos Babás em França.

Possivelmente o autor que melhor descreve e conta a história dos babas é Berry Farah, com dois livros: Histoire inédite des pâtisseries françaises, 2019, e L’histoire des pâtisseries que l’on ne vous a jamais racontée, 2024. Tudo terá começado com a fixação em exílio do rei da Polónia Stanislas Leszczynski em França. Era o sogro do rei francês, Luis XV. Gostando de um doce tradicional, o Kugelhopf, decidiu ensopá-lo com um vinho generoso. Ora, no início, e durante mais de um século o Babá era um bolo circular e alto. Aproveitando o álcool do vinho, deitou-lhe fogo e chamou-lhe inicialmente «Ali-Babá», fascinado que era das Mil e Uma Noites. Simplificou e passou a chamar-se apenas «Baba».

Importante para nós é que o grande Marie-Antoine Carême publicou em 1815 no seu livro Le Pâtissier Royal Parisien, uma receita de Baba que é enriquecido com vinho Madeira. Relembro que este autor é possivelmente o mais famoso pasteleiro do século XIX em França, tendo publicado em 1833 a sua obra mais importante que é L’Art de la Cuisine Française. No livro de 1815 contém duas receitas de doces e importantes para nós: «Flan à Portuguesa» e «Flan de maçãs à portuguesa» e publicadas no meu livro À Portuguesa: Receitas em Livros Estrangeiros até 1900.

Maguelone Toussaint-Samat, no livro La Très Belle et Très Exquise Histoire des Gâteaux et des Friandises, 2018, sustenta que o Baba é que terá dado origem ao também famoso «savarin». Outros grandes autores escreveram sobre o Baba, desde Grimod de la Reynière, Alexandre Dumas, Pierre Lacam, Jules Gouffée, o extraordinário Urbain Dubois e a sua inclusão no Dictionnaire Unviversel de Cuisina Pratique, de Joseph Favre com primeira edição em 1883, mas o vinho utilizado é o rum.

Numa receita de 1843, no livro La Cuisinière de la Campagne, de M. L.-E. A. Encontramos uma receita que podem ler em baixo, não assinala nenhum vinho, mas mantém a utilização de açafrão para garantir a cor amarelada da massa, cujo objetivo é de uma doçaria familiar.

 

 

 

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Receita

 Os napolitanos consideram o “Babà al rum» como o rei dos doces em Nápoles apesar de informarem que foi “inventado” durante o reinado do rei polonês Stanislao Leszczinski, sogro de Luís XV, e levado a Nápoles pelos franceses. Nas receitas apresentam que, depois de pronto, o Babà é embebido com uma calda de rum ou outro licor. Em algumas versões mais modernas são também recheados com creme de leite ou chocolate. Pela publicidade em Nápoles afirma-se que “o doce napolitano por excelência, o Babà é um bolinho esponjoso embebido em xarope de rum. Os babás de Nápoles derretem na boca de tão macios e é possível encontrá-los na versão simples (sem nada) ou com creme ou chantilly.” Noutra receita online, encontrei que: “O Babà é um bolo, embebido com rum, assado em forma de cogumelo e recheado com creme ou chantilly. A sua massa é feita com ovos, farinha, sal, açúcar, manteiga e levedura de cerveja.

Babà é um dos clássicos da pastelaria napolitana, uma sobremesa que quem chega a Nápoles deve experimentar. A sua origem não é napolitana, mas polaca, mas é em Nápoles, depois de uma passagem por França, que se tornou a sobremesa que todos conhecem hoje, assumindo a sua forma alongada e inchada particular numa das extremidades.

Em outra versão, podemos ler: “macio, dourado e embebido com rum, o Babà pode ser encontrado nas confeitarias da cidade tanto em sua versão clássica quanto recheada com cremes de diversos tipos, creme, chocolate e morangos.”

Até a “nossa” Io Apolloni publicou o livro Os Doces da Io, Círculo de leitores, 1997 e apresenta uma receita de “Babá com Morango” que faz um Baba versão bolo grande para cortar à fatia e coberto com uma calda com de açúcar, morangos e rum ou «kirsch». Na foto apresenta também um Baba versão doce individual como encontramos atualmente, com recheio de chantilly no centro. O livro tinha como propósito identificar e dar as receitas mais importantes de Itália.

 

 

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Tentei saber quando o Babá começou a ser tradição napolitana. Um dos livros mais interessantes que consultei foi o Cocina Teorico-Pratica: Col Corrisponndente Riposto ed Apparecchio di Pranzi e Cene… de Ippolito Cavalcanti (duca de Buonvicino), publicado em Nápoles em 1839 e na época na qual ainda as laranjas de chamavam «portogalli». Nesta obra não há Babás. Mas no livro La Scienza in cucina e l’Arte di mangiar bene, de Pellegrino Artusi, e publicado em Florença e como edição de autor em 1891. É possivelmente o primeiro livro com inventário de receitas de uma Itália unificada desde 1861. Ora neste livro já aparece uma receita de «Babà» sem especificar o local de tradição. Os ingredientes são: farinha finíssima, manteiga, açúcar em pó, uvas de Corinto, uvas de Málaga, levedura de cerveja, leite, ovos, vinho Marsala, Rhum ou Cognac, fruta cristalizada cortada em filetes, sal e essência de baunilha. Os vinhos entram diretamente na confeção e no final o bolo não é ensopado. Deve servir-se frio.

Descubram o vosso melhor Baba.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Os Babas em fotografia foram obtidos nos seguintes locais em Lisboa: Bénard, Galeto, Suíça e Versailles.