«Croquettes», Croquetes…!
A aparente simplicidade dos croquetes tem uma retaguarda de preparação que pode dar origem a dois produtos: bons e maus. Todos nós temos algumas referências em relação ao seu consumo e cada um tem o seu preferido. Das pequenas festas privadas à excelência destas preparações em restaurantes, temos por onde escolher. Como é que uma confeção tão simples pode dar uma variação de qualidade tão grande, indo a extremos: de muito maus a muito bons. Pois na delicadeza da sua preparação está o segredo, que não é segredo, é apenas saber fazer bem feito.
Parece inquestionável que o croquete nasceu em França e possivelmente no início do século XIX. José Pedro Machado, no Dicionário da Língua Portuguesa, desde 1952, para croquete escreveu: “Do fr. croquete. Séc. XIX?”. Encontrei uma das primeiras referências francesas, receitas de croquetes, no livro Le Parfait Cuisinier, de A. T. Raimbault, 1811 e uma 4ª edição em 1822. Sobre este livro já escrevi neste Site e podem reler clicando aqui. São apresentadas duas receitas de croquetes sendo uma para aves e outra para coelhos. Desta época, e possivelmente do mais famoso cozinheiro francês do século XIX, no livro Le Cuisinier Parisien, ou l’Art de la Cuisine Française, M. A. CARÊME, 1828, surge com as seguintes receitas: “Croquettes de marrons et autres”, “Croquettes de pommes de terre à la vanille”, “Croquettes de riz aux pistaches”, “Croquettes au café en forme de poires” e “Croquettes de nouille ao cédrat”. A maioria destas receitas são para sobremesas, e escritas no seu estilo próprio em textos longos.
Também receitas de croquetes podemos encontrar no livro La Cuisinière de la champagne et de la ville, de Louis-Eustache Audiot, 1832, receitas para croquetes de vitela, de aves, de arroz, de maçãs e de coelhos. Charles-Yves Cousin d’Avallon publica o livro Le cuisinier moderne, mis à la portée de tout le monde, ou Traité des substances alimentaires, 1836, no qual define o termo genérico para croquete: “Espécire de sonhos tendo na base um picado de carne, «mameladas» de frutas, etc.”, apresentando apenas receitas para croquetes de capão e croquetes de maçã. Curiosamente encontrei no livro Le Trésor de la Cuisinièr et de la Maitresse de Maison, por A.-B. de Pérogord, 1852, escritor curioso e ousado, e livro em forma de dicionário, com quatro receitas de croquetes para coelho, arroz, vitela e aves. Este livro tem como destinatárias donas de casa e uma cozinha familiar. Para confirmação do hábito dos croquetes, no livro La parfaite Cuisinière Bourgoise ou la Bonne Cuisine des Villes et de Campagnes, de Mlle Madeleine, 1864, apresenta apenas três receitas, e nenhuma é de carnes, que são de batatas, de maçãs e de arroz sendo estas duas últimas como sobremesas.
Depois voltei a encontrar receitas de croquetes no livro Cuisine de tous les pays: études cosmopolites, do famoso Félix Urbain-Dubois, 1868, quatro receitas: “Croquettes à la Gastronome”, “Croquettes de poulets à la Soubisse”, “Croquettes de riz, à l’Italienne” e “Croquettes de perdreaux à la Lyonnaise”. À exceção do croquete de arroz, as outras três receitas são tradições francesas, e com carater elitista. Do mesmo ano, 1868, mais um livro para as famílias, La cuisine à l’Usage des Ménages, do Baron de Brisse, dá apenas duas receitas: uma para croquetes de miudezas de bovino e outra para croquetes de batatas com queijo.
Em 1870 tem honras de menção com três recitas no Mon Dictionnaire de Cuisine, de Alexandre Dumas com a seguinte definição: “Espécie de sonho panado e frito, constituído por picado de carnes assadas ou carne de peixe ou ainda ovos cozidos, puré de batata, etc.” As receitas incluídas são para croquetes de carne, croquetes de galinha e croquetes de massas com limão «confit».
Para mim, um dos livros mais importantes da cozinha do século XIX em França é o Dictionnaire Universel de Cuisine Pratique, de Joseph Favre, 1883. De fácil consulta e com muita informação tem as seguintes receitas para croquetes: de amêndoas, de aves, de lavagante, de camarão, de maçãs, de arroz, de miolos e baunilhados.
A popularidade dos croquetes em França parece bem afirmada durante o século XIX. No entanto vamos encontrar em 1902 o livro que foi determinante para o século XX, de Auguste Escofier (1846-1935) que ao escrever o livro Le Guide Culinaire parece querer deixar para o futuro um guia culinário que define muito receituário e até a denominação “à portuguesa”. Define o que são croquetes e dá instruções de base para a sua confeção. Eis a primeira parte do texto por mim traduzido: “Base para confeção. As proporções dos elementos constitutivos da base de croquetes equilibram-se assim, regulando as proporções dos elementos essenciais que são habitualmente: cogumelos, presunto ou língua, trufas, sobre as dos elementos dominantes que são: aves, caça, peixe ou crustáceos, e determinam o nome do croquete.” O texto continua com várias considerações e dá 31 receitas de croquetes! Foi o livro onde encontrei mais receitas.
Tentei descobrir o hábito do consumo de croquetes em França. Não encontrei referências, mas pelos livros que citei percebemos que o croquetes tanto é uma confeção de caracter familiar como também pode ser uma confeção de elite para grandes refeições e que entrarão nos “entremets” no serviço à francesa. Ainda em França, no Larousse Gastronomique, de Prosper Montagné, 1938 dá 12 receitas.
Vejamos agora o que aconteceu em Portugal. Primeiro vou transcrever uma das melhores definições de croquete: “Palavra de origem francesa usada para designar um pastel cremoso, de forma cilíndrica, panado e frito, habitualmente feito com carne picada e outros condimentos”, no livro Do comer e do Falar…, de Ana Marques Pereira e Maria da Graça Pericão, 2015. Em 1877, no livro O Cozinheiro dos Cozinheiros, editado por Paulo Plantier e dirigido “Ás Boas Donas de Casa”, surge uma receita curiosa, e bem explicada com a seguinte denominação: “Almondegas de fritura ou croquetes”, com base de carne picada. Depois encontramos nove receitas de croquetes: de carne de vaca, de arroz, de aves, de batatas, de carne (em forma de bolas para servir quentes), de galinha, de coelhos, de maçãs, e de natas. Depois vem João da Matta, com o imperdível livro Arte de Cosinha, 1876, que apresenta quatro receitas de “croquetes”: de bacalhau, de batata, de galinha e de ostras. Dá ainda uma receita, no capítulo dos doces, de uma receita de croquetes de arroz doce; na edição de 1924 vêem-se acrescentadas as receitas de “croquettes à la parisienne” e “croquettes de manjar real”. Em 1889, no curioso livro Novíssima Arte de Cozinha, por um Mestre de Cozinha encontramos duas receitas: “Croquettes de carne de vaca” e “Croquettes de láparos”. Foi preciso esperar pelo último dia do ano e do século, 1899, para no livro Cosinha Portuguesa ou Arte Culinária Nacional, por um grupo de senhoras e editado em Coimbra para angariar fundos para o Instituto Pão de Santo António, assistir a outra dimensão de receitas de croquetes com um capítulo de “Croquetes e almondegas”. Para os croquetes apresenta oito receitas com a curiosidade que no título de cada receita tem a denominação à francesa «croquettes» não acontecendo o mesmo no título do capítulo. As receitas são: “portuguezes”, “senhoris”, “gallinha”, “coelho”, “bacalhau”, “ostras”, “vitela” e “batatas”. Três anos depois, é feita uma segunda edição deste livro, 1902, que me parece ser o primeiro livro do século XX e que mantém as mesmas receitas de croquetes da primeira edição.
Logo de seguida, 1903/4, sai o livro Tratado Completo de Cozinha e Copa, de Carlos Bento da Maia, que dá receitas para seis croquetes: “de arroz”, “de bacalhau”, “de batata”, “de carne cozida”, “de coelho”, e “de galinha e outras carnes”.
Com o título A Cosinha Familiar – Tratado de Culinária Prática, de Agarena de Leão, 1924 (2ª edição), este livrinho prático apresenta cinco receitas: “Croquettes de legumes”, “Croquettes de fígado de vaca”, “Croquettes de feijão branco à italiana”, “Croquettes de batata à italiana” e Croquettes de bacalhau à Dick”.
O primeiro livro para profissionais em Portugal foi A Cozinha Ideal, de Manuel Ferreira, 1933, dá uma surpreendente lista de 17 receitas de croquetes! Depois surgem vários livros páticos e, o de maior dimensão, foi O Livro de Pantagruel, de Berta Rosa Limpo, com 1ª edição em 1945, e apresenta três receitas: “Croquetes com casaco” (carne picada enrolada em fiambre que vai depois fritar), “Croquetes de Bolonha” (vitela assada, mioleira, presunto fresco…), e “Croquetes de peixe” (peixe cozido, batatas cozidas…).
Em Portugal a melhor definição surge por Maria de Lourdes Modesto na Grande Enciclopédia da Cozinha, em 1960. Eis a definição: “Pequena preparação culinária composta de um elemento principal e de um creme espesso, que, depois de fria e moldada regularmente, se envolve em ovo e farinha ou pão ralado e se frita numa pequena ou grande fritura. Esta preparação é muito cara às donas de casa, pela facilidade que lhes oferece de aproveitar os restos de comida com toda a dignidade.” Apresenta de seguida receitas para “Croquetes de batata”, “Croquetes de carne”, “Croquetes de fiambre”, “Croquetes de queijo” e “croquetes de ameijoas ou mexilhões”.
Saltemos agora para 1962 para mencionar o invulgar livro Cozinha do Mundo Português de M. A. M. (Maria Adelina Monteiro Grilo e Margarida Futsher Pereira) com receitas de croquetes de: amêndoas (doce), arroz e cogumelos, batata, camarão, carne, coco (doce), chila (salgada), legumes, e peixe. Até finais do século XX surgem muitos livros, práticos, com receitas de croquetes, na sua maioria de vitela ou carne de bovino.
Bem, apesar do sortido de receitas publicadas, atualmente parece só se confecionarem os de carne. E aqui é que está a dúvida: porque se fazem croquetes tão maus? Recentemente provei um num restaurante e tinha um sabor estranho, de carne, mas que mais parecia um croquete de enchidos. O responsável acabou por confessar que os croquetes eram o resultado da sobra de cozido à portuguesa da véspera…!
O croquete em Portugal é omnipresente em cocktails ou refeições volantes. Não consegui apurar quando começa esta presença que também nos surge em ementas de casamentos, e vulgarmente em muitos bufetes. É presença também em locais de petiscos e muitas cervejarias, e em pastelarias. Porquê? Talvez porque pareça um produto fácil e de bom rendimento. E volto à questão: porquê não apurar a receita e fazer sempre bem feito? Fazer bem não significa fazer mais caro.
Para mim os croquetes querem-se fofos. Tanto os uso para um lanche rápido como para refeição completa acompanhados por esparregado, salda russa ou salda de feijão frade. Ideias para comer em esplanadas.
O croquetes têm, por vezes, uma conotação negativa para categorizar cocktails ou refeições volantes e, por vezes, refeição em pé com muita gente, e brinca-se dizendo que se vai ao “croquete”.
Aprendam a fazer bons croquetes que, certamente, sentirão o retorno dos clientes ou de apreciadores. Em muitas casas os croquetes aparecem como bolinhas.
Bom Apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes
4 locais em Lisboa onde habitualmente como bons croquetes:
- Colina
- Gambrinus
- Nobre
- Versailles