Banquetes em 1889 em Lisboa
Recentemente adquiri num leilão um lote com documentos vários e entre eles menus, convites e um invulgar documento impresso, conforme foto em baixo, com a lista de BRINDES que eu supunha corresponderem a um banquete acontecido em 1 de maio de 1889. Depois de uma busca descobri uma descrição de “Congresso Jurídico de Lisboa de 1889” escrita por António de Sousa Madeira Pinto, Vice-Presidente do Conselho Superior da Associação dos Advogados de Lisboa.
BRINDES no banquete de encerramento
O texto descreve a forma como se criou a Ordem dos Advogados em 1926 com as contribuições e apoio daquela associação, e faz um relato do Congresso, que se iniciou em 22 de abril de 1889, descrevendo duas das que considerou as mais importantes refeições, banquetes, e uma refeição ligeira no final, incluídas num capítulo a que chamou: “Recepções e festas en honra dos congressistas”.
Eis parte do texto: “A primeira recepção ofereceu-a o ministro da Justiça (Francisco Beirão); realizou-se, pelas nove da noite, no Ministério dos Negócios Estrangeiros e foi luzidíssima… ”, sem referir o menu.
E continua: “Dias depois, a Associação Comercial de lisboa, a que presidia Teodoro Pinto Basto, organizou um passeio fluvial a Cascais, … Fez-se no transporte India; os convidados embarcaram pelo meio dia e meia hora no vapor Condutor que os levou para bordo do India. … O India seguiu rio abaixo, em marcha lenta que permitia apreciar a paisagem ribeirinha; pelas duas e meia começou a ser servido um lanche com esta refinada ementa, que só pecava por ser redigida… em francês; mas era a moda.
MENU
Chaud
Croquettes de volaille aux champignons
Bombées à la parisiense
Osti de file de sole
Escaloppes de veau à la Periguese
Froid
Galantine de pintades aux pistaches
Filet de bœuf glacé
Jambon de Westphalie à l’aspic
Sandswichs assorties
Entremets
Tranches de pouding brésilienne
Petit Saint-Honoré
Genaise glacée
Amandes pralinées
Vins
Collares, Champagne, Xerez, Porto
Madère, Café, Liqueurs
Todos os passeantes se mostraram encantados com a excursão, que classificavam de deliciosíssima, cativados com as atenções recebidas…
Para remate do Congresso, e sempre ao sabor da praxe, a Associação dos Advogados ofereceu, aos congressistas e a outros convidados, em 1 de Maio, um banquete que se realizou no Teatro de S. Carlos.
Para o efeito, a plateia, retiradas as cadeira, converteu-se num amplo salão, arrumando-se nele três mesas que comportavam cento e cinquenta lugares: uma ao fundo, contra o palco e duas dos lados, ao jeito do salão, cobertas de loiças da China e japão e semeadas de flores. Sobre cada guardanapo um pequeno ramilhete. Ao centro, transversalmente, uma grande mesa para o serviço e lateralmente, junto às frisas, aparadores, também com ricas loiças e muitas flores.
… Dos camarotes, completamente cheios de assistência à festa, pendiam ricas colgaduras de damasco com cores das bandeiras portuguesa e espanhola e açafates com flores; luz a jorros.
…
Também a ementa do jantar (sempre em francês, claro!) era aprimorada.
Vejamos :
MENU
Hors d’oeuvres variés
Potage de creme de volaille à la Princesse
Petits Bouchés à la St. Aubert
Escaloppes de saumon à la Daumont
Filet de bœuf Bragantion
Noisette de veau à la française
Chaud-froid à la Rothschild
Galantine à la française
Punch au Kirsh
Dindonneaux trufés
Asperges em bramche sauce crème
Croutes à la Richelieu
Fromage, Glace fraise et vanille
Château-Brilland, Breton-Nougat
Patisserie assortie
Fruit et marrons glacés
Dessert
Vins
Madère dry, Clos Marathon, Château Giscourt, Pomard, Moet et Chandon frappé, Porto 1815*
O banquete no Teatro de S. Carlos terminou num ambiente da mais ampla confraternidade, dando-se os congressista nacionais e estrangeiros, mutuamente, as mais cordiais mostras de consideração e afecto.”
No dia 2, após encerramento do congresso, houve ainda um “Passeio a Sintra e jantar na Quinta do Carmo, em Colares – José Dias Ferreira” … “O jantar foi-lhes servido no antigo refeitório dos frades «transformado, por artística combinação ornamental, num bosque de camélias» (como referiu um dos participantes).
O repasto, fornecido pela Ferrari (que ainda existe!), foi suculento, a julgar pela ementa (sempre em francês, está bem de ver!), que menciona desde petits timbales à la Princese até pintades à la Cardinal.”
Infelizmente não encontrei os menus das três refeições descritas. Já quanto ao francês nos menus apetece-me transcrever o que foi publicado em 1864 por Urbain Dubois e Emile Bernard no excelente livro La cuisine classique:
“Os menus devem encontrar-se na mesa e conterem cachet de uma simplicidade elegante e ao mesmo tempo séria. Devem ser escritos corretamente e de forma legível, e em todo o caso isentos de denominações pretensiosas, assim como sem erros de ortografia que revelem um negligência imperdoável…”. Este textos e outros podem ser lidos no meu livro Histórias e Curiosidades à Mesa, Marcador, 2023.
O autor confunde a palavra “ementa” com a “menu”, facto que ainda hoje se regista.
*Segundo Octávio Ferreira, Notável Master de Vinho do Porto: "O Porto de 1815 foi o mais histórico e valioso do século XIX".
© Virgílio Nogueiro Gomes