Pato à Portuguesa

Depois de terminar o meu livro À Portuguesa: Receitas em Livros Estrangeiros até 1900 surgiram-me outras obras que contêm receitas que seriam integráveis nesse livro. O livro não é exaustivo e nem é um inventário completo. Pareceu-me, no entanto, que a dimensão da amostra resultante dos trinta e um livros estudados era elucidativa sobre a forma como os Outros nos viam numa perspetiva culinária. Já publiquei anteriormente outras receitas como Linguado à Portuguesa e Arroz doce que poderão agora reler, em livros que recebi após terminar o estudo referido.

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Primeira página do almanaque

Em 1862, Charles Monselet (1825-1881) edita o primeiro Almanach des Gourmands que iria conter Archives Gastronomiques, Recettes, Menus de Saison, Guide du Dineur, Conseiller des Estomacs, Dialogues de Table, Varietés Aperitives, Poésis Relevés, Etc. Considerava-se o grande sucessor de Grymod de la Reynière (1758-1837) que tinha publicado os seus almanaques desde 1803 até 1812. Relembro que foram os primeiros documentos identificados como crítica gastronómica.

Charles Monselet foi escritor epicurista, jornalista, romancista, poeta e autor dramático. Os seus almanaques iriam publicar-se até 1870. Ficou conhecido como o «Rei dos Gastrónomos» e do primeiro grupo, pioneiro, de jornalistas da especialidade ao lado de Grimod de La Reynière, do barão de Brisse e de Joseph Favre, tendo escrito sobre este último no meu livro. Para os conteúdos eram convidados ilustres escritores ou especialistas da época, como supostamente foi feito para a receita que irei apresentar, enviado pelo Dr H. O. Gaudin ilustre médico parisiense. Parece uma receita para uma dieta especial. A única técnica de confeção é o cozer em água e com poucos temperos.

 

 

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Gravura representando Charles Monselet

O Pato à Portuguesa

Este prato deverá dirigir a atenção do «gourmand» para a simplicidade dos produtos que o compõem e pela rapidez em como se confeciona. É de grande utilidade no campo onde uma visita imprevista a aumentar em cima da hora um jantar comum.

O pato à portuguesa prepara-se tanto com o pato selvagem como o pato de criação. Quando servir este último, deve torcer-lhe o pescoço com força de modo que sangre o mínimo possível. Coloca-se numa vasilha com água quente para o depenar de facilmente, e depois retirar-lhe as entranhas. Pega-se no coração, na goela, no fígado, pica-se tudo muito fino com três chalotas. Polvilhar com muito sal e pimenta; juntar um pedaço generoso de manteiga fresca. Pisar tudo com um garfo e introduzir este conjunto no interior do pato. Cortar o pescoço e ter o cuidado de deixar um pedaço de pele que fechará a abertura cosendo-a cuidadosamente. Coser igualmente a outra extremidade. Depois pega.se num guardanapo dobrado em três, e enrola-se à volta do pato e aperta-se com fio como para o chouriço de Lyon.

Para o cozer, colocar em água a ferver na qual se deita uma mão cheia de sal grosso.

Depois de trinta e cinco minutos de cozedura, retira-se o pato da panela, tira-se o fio e o guardanapo, serve-se um prato aquecido guarnecido de fatias de limão.

O pato selvagem apenas exige trinta minutos de cozedura.

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© Virgílio Nogueiro Gomes

- Esta versão da receita foi retirada de um libreto com o título Grandeur et Décadence du Plum-Pudding, editado por MenuuFretin, Chartes, 2014, e extraída do Almanach des Gourmands de Charles Manselet