Poulet à la portugaise
Na minha busca constante de referência à cozinha portuguesa, ou de receita com a designação “à portuguesa”, deparei-me recentemente com um menu servido em 1867, em Paris, com um prato de “Poulet à la portugaise”. Foi uma refeição histórica servida no Café Anglais, fundado em 1802 e lamentavelmente demolido em 1913 e oferecida por Napoleão III a propósito da Exposição Universal de Paris de 1867. Esta notável refeição ficou conhecida como o “Jantar dos Três Imperadores” pois além de Napoleão III estavam presentes o Imperador Russo Alexandre II e o Imperador Alemão Guilherme I. Segundo Nicolas de la Bretèche, no seu livro “À la table des Tsars”, a refeição durou oito horas e a cozinha era chefiada por Adolphe Dugléré e entre os seus ajudantes encontrava-se Pierre Cubat que viria a celebrizar-se, mais tarde, enquanto chefe de cozinha na corte russa.
O menu que podem apreciar na foto é uma montagem atual de Brechète que curiosamente tem legenda explicativa para a maioria dos pratos apresentados, mas, lamentavelmente, não explica como se prepara o Poulet à la portugaise. Durante a Exposição estiveram em Paris vários monarcas. Verifiquei que D. Luis I de Portugal também lá esteve, mas a sua permanência em Paris é posterior aquele repasto, e nem chegou a ser recebido por Napoleão III. Segundo correspondência da condessa da Torre: Ainda não vi Suas Majestades, nem creio que as verei. Elas têm sofrido por cá algumas desfeitas: primeiro a imperatriz ir para Inglaterra e ainda não estar de volta; depois o imperador não fazer nenhum caso deles, nem os acompanhar; nem mesmo foi ao Hotel de Ville. Deu-lhes os quartos e… passem muito bem! Esta transcrição encontra-se no livro “Viajar com os Reis de Portugal” de Miguel Ribeiro Pedras, editado por A Esfera dos Livros, 2020.
Acontecia com alguma frequência incluir nos menus receitas ou designações associadas aos convidados principais. Por isso tentei saber se D. Luis I teria estado nessa refeição. No entanto Portugal tem mais uma citação no menu no capítulo dos vinhos que foram oito os servidos: un madère, retour de l’Inde 1810; un xérès 1821; un Chateau d’Yquem 1847; un chambertin 1846; un Chateau Margaux 1847; un Chateau Lafite 1848; et pour finir un champagne Louis Roederer frappé. No texto sobre esta famosa refeição conta o autor um pequeno episódio pela pergunta do Czar Alexandre II que lamenta não lhe terem servido foie gras ao que o maître d’hotel lhe terá respondido que em junho não é hábito, na gastronomia francesa, servir foie gras. Em outubro desse ano enviaram ao czar três terrinas de foie gras preparadas especialmente pelo chef Adolphe Dugléré. Exclusivamente compostas de foie gras inteiro, este prato de exceção é trufado a 5% com o ouro negro do Périgord, marinado em Porto, sabiamente ligado com especiarias e cozido lentamente durante duas horas a 80 graus. Afinal ainda havia este detalhe ligado a Portugal.
Tentei encontrar a receita do “Poulet à la portugaise” nos autores franceses daquele tempo, designadamente Menon, Viart, Machet, Dubois, Lacam, Gouffé e Favre, sem sucesso. No entanto encontrei « Poulet sauté à la Portugaise », e transcrevo do livro « Le Guide Culinaire » de Auguste Escoffier (1846-1935), 1º edição 1902 :
Sauter le poulet avec du beurre et huile. – Lorsque la cuisson est aux deux tiers, égoutter une partie de la graisse ; ajouter un demi-oignon haché et une pointe d’ail broyé. L’oignon étant légèrement coloré, compléter avec 2 moyennes tomates pelées et concassées ; 50 grammes de champignons cuits, émincés, un filet de vin blanc et une pincée de persil concassé. Finir de cuire le tout ensemble en réduisant toute humidité.
Verser cette garniture sur le poulet ; L’entourer de petites tomates, ou demi-tomates farcies.
Escofier, na sua tentativa de sistematizar a cozinha internacional considera que em todos os pratos “à portuguesa” há tomate na confeção, e ou na apresentação. João da Matta, no seu livro “Arte de Cozinha”, 1876, tem várias receitas à portuguesa, mas não para frango ou galinha. Também Carlos Bento da Maia, no seu livro “Tratado Completo de Cozinha e Copa”, 1904, não tem receita para frango ou galinha à portuguesa.
No «Le Répertoire de la Cuisine» de Th. Gringoire et L. Saulnier, 1ª edição 1914, pode ler-se no capítulo de Poulardes (franga engordada) para Portugaise: Farcir riz pilaw adictionné de tomates cocassées. Poêler. Naper sauce Portugaise. Garnir tomates farcies.
© Virgílio Nogueiro Gomes
*Imagens extraídas do livro “À la table des Tsars” de Nicolas de la Bretèche, Macha Publishing, Paris, 2019