CARTOLA
Não estranhem, não irei escrever sobre “cartola” o chapéu de aba estreita, e copa alta cilíndrica, habitualmente preto, e usado especialmente em momentos solenes. Sempre foi chamado de “chapéu alto” pela altura da sua copa (também chamada de chaminé). Hoje continua a ser usado particularmente no Reino Unido e em algumas cerimónias noutros países. Esteve sempre associada a um sentido humorístico, ou jocoso, para representar “figurões”, políticos, e ou novos ricos.
O parágrafo anterior justifica-se, pois, “cartola” é um dos doces mais identificadores de Pernambuco e, sempre que perguntei a razão do nome, me remetiam para a sua semelhança com o “chapéu” alto…! Nunca percebi essa semelhança. Mas que o doce é bom, não há dúvidas. E, possivelmente, a sua elegância, e perenidade está na sua simplicidade. Mas não é tão simples como possa parecer e o fundamental é a escolha dos produtos para a sua preparação.
Vejamos o que escreveu Maria Lectícia Monteiro Cavalcanti (ilustre investigadora das artes alimentares): Nasceu também a misteriosa “Cartola”, que tem como ingredientes banana, queijo do sertão, açúcar e canela. Sem que se saiba o engenho onde foi pela primeira vez produzida, nem quem a inventou. O nome se deve provavelmente à cor escura dada pela canela, e o formato alto do queijo sobre a banana, que lembra (remotamente) aquele tipo de chapéu que se usava na época. Transcrição de parte do texto “Açúcar no Tacho” no livro “A Civilização do Açúcar” publicado pela Fundação Gilberto Freyre, Recife, 2007.
Pela sua importância enquanto elemento da identidade alimentar de Pernambuco foi elevada a Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco (Lei 13.751, de abril de 2009), sendo uma das mais tradicionais sobremesas pernambucanas
Provei várias “cartolas” e elegi as duas melhores conforme citação no final do texto. Não foi a primeira vez que comi este doce. Também se faz no Ceará, Rio Grande do Norte… e possivelmente nos estados de proximidade. O que distingue as várias “cartolas”? Os produtos e as mãos quem sabe fazer. As classificações podem ir de produto final muito elegante e delicado ao extremo de doce massudo. Já comi algumas menos elegantes, para ser delicado.
E vejamos como a escolha dos produtos é fundamental: a banana não de ser muito madura ou mole, a ideal será a banana prata (trazida pelos portugueses no século XVI) ligeiramente rija, e há quem corte ao meio no sentido longitudinal ou em lâminas no mesmo sentido; o queijo, manda a tradição, que seja o queijo de manteiga apesar de muitos fazerem com leite de coalho – naturalmente que ao comer se nota a diferença; o açúcar utilizado na atualidade é o granulado mas a “cartola” poderá ter nascido com rapadura (estamos na terra dos engenhos) e que dá um gosto diferente; a canela deverá ser de qualidade, especialmente a vinda do Ceilão, e não da China pois é vulgarmente chamada de cássia e é de menor qualidade; e falta-nos um quinto ingrediente a manteiga para caramelizar a banana sendo que alguns fazem com óleo vegetal mas, não fica igual.
Vejamos como se prepara: cortam-se as bananas no sentido longitudinal e colocam-se numa frigideira ao lume, com manteiga, até ficarem bem coradas pelos dois lados; na mesma frigideira coloque fatias de queijo com cerca de 1,5 cm de altura até ficarem moles; coloque as fatias de banana em prato de servir e cubra com fatia de queijo; polvilhe generosamente com uma mistura de açúcar e canela. Pode fazer-se em prato individual ou em peça de louça retangular e cortar a gosto.
Podem fazer em casa, mas bom mesmo, é vir ao Recife provar e repetir.
Bom Apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes
As duas melhores “cartolas”:
Restaurante LEITE
Praça Joaquim Nabuco, 147
e
Restaurante BARGAÇO
Av. Antônio de Goes, 62
Ambos em RECIFE