Comer insetos
Não vos vou sugerir comer insetos. Espero não chegar a essa necessidade de ter de os comer! Confesso que não tenho nenhuma curiosidade em experimentar. Conheço muitas pessoas que me confessaram, depois de experimentar, que não foi desagradável, mas poucos ficaram com a perspetiva de serem clientes. Alguns até dizem que se provassem de olhos fechados poderiam ter tido outra emoção. O facto de ir provar um inseto cria automaticamente alguma repulsa e isso poderá afetar o resultado após mastigação. Os insetos sempre nos foram apresentados com alguma distância...
Mas na nossa educação do gosto nunca nos surgiram insetos como iguaria. E porque aparecem agora? Certo que com o incremento, especialmente para o Oriente, de viagens turísticas em grande massa, nos proporcionam essas provas. A minha primeira apresentação foi na Tailândia, e depois em África.
A televisão provoca-nos com esses apetites que envolvem, até, chefes de cozinha mundialmente conhecidos. E depois aparecem restaurantes com essa necessidade! Mas a necessidade é mais em apresentar produtos novidades e um marketing diferente para cada estabelecimento. Mesmo em Lisboa, quando me lembro do primeiro restaurante a divulgar esses animalzinhos, não senti nenhum entusiasmo em experimentar.
Mas há novidades que são lançadas no intuito de criar um hábito ou uma moda. Mais do que se preocuparem com fazer bem, ou melhor, o que já produzem. O efeito novidade ou a raridade dos produtos é suposto trazer outra clientela. E depois temos a
comunidade científica a confirmar o valor da proteína “insetos”, e explicar os benefícios para o meio ambiente passando a consumir insetos.
Curioso é o livro “Estranhos Costumes do Continente Negro” de Fred Blanchod, e editado em Portugal pela Livraria Tavares Martins, Porto, 1946. Muitos anos antes destas modernices. E refere algumas práticas ou bênçãos como uma boa sorte inesperada a chegada dos gafanhotos, um alimento vindo do céu como o maná no deserto. Eu ainda me lembro muito bem da chegada de duas pragas de gafanhotos no Guiné Bissau! Continuando com o livro: enchem com eles numerosos sacos, carregam-nos sobre bois e camelos, atulham carroças inteiras, até um morticínio satisfatório, tudo isto acompanhado de gritos capazes de fazerem congestionar as veias. Preparação para um grande banquete. ... não se vêm senão gafanhotos a secar ao sol. Comem-nos de duas maneiras: ou frescos e polvilhados com sal, ou fazerem com eles uma fritura que chia na sertã depois de lhes terem tirado as asas e as patas. O autor diz que menos mau e que lhe lembram o camarão, com a sensação bocal de trincar cacos miúdos de garrafa; no entanto, é preferível que me acredite sob palavra; para provar aquilo, seria essencial não ter visto, todo o dia, fervilhar os gafanhotos, com os olhos fixos, como alfinetes, naquela cabeça de cavalo, e ignorar o que se tem na boca. Não pude, com conhecimento de causa, engolir mais de seis. E continua o relato sobre gafanhotos escrevendo que a maneira mais comum é fervê-los inteiros; depois de saírem da marmita, secam-nos ao sol. Então, conservam-se durante meses; são moídos, para os saborearem em pó, ou misturados com farinha de mandioca, ou de milho.
Voltando aos tempos de hoje, difundem-se várias notícias sobre os benefícios de comer insetos pela grande contribuição nutritiva como também na luta contra ao mudança climática. Segundo Isaac Petràs num grilo a sua carne é comestível em 80% e num bovino apenas 40%; um bovino precisa de oito quilos de alimento para produzir um quilo de carne, os insetos precisam apenas de dois quilos de alimento para a produção de um quilo de carne de inseto; um quilo de carne de bovino necessita de vinte e dois mil litros de água, um quilo de inseto necessita menos de um litro de água... Mas vejam o perigo (?) nesta frase de Petràs: Quando se provam insetos, não tem volta atrás: criam vício (ou dependência). Eis alguns dos insetos propostos para a alimentação: grilo, formiga (preta, rabuda e vermelha), escorpião, libelinha, gafanhoto, larvas (famosas as da seda), cigarras, tarântulas... têm muito por onde escolher. Há propostas para todo tempo à mesa: aperitivos e snacks, entradas, peixes, carnes, sobremesas e cocktails.
Há ainda outro livro muito interessante: “Insectes Comestibles” de S. Munch, Éditions Plume de Carotte, 2011.
Todas as obras citadas estão disponíveis para consulta na Biblioteca Gastronómica da ACPP, rua Sant’Ana à Lapa, 71 em Lisboa
© Virgílio Nogueiro Gomes